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sábado, 4 de fevereiro de 2012
05 de fevereiro de 2012 | N° 16970
PAULO SANT’ANA
A dor do tiro
Como inspetor de polícia, em Tapes e Arroio dos Ratos, fui encarregado inúmeras vezes de sacrificar animais que restavam feridos em acidentes de trânsito nas rodovias BR-116 e BR-290.
Os cavalos ou vacas eram atropelados pelos veículos ou eram amassados pelos choques dos caminhões, restavam sem força para a locomoção, e nesse caso a solução era sacrificá-los.
O jeito que eu tinha para sacrificar os animais era a maneira tradicional, dando-lhes tiros de revólver nos ouvidos.
Confesso constrangidamente que já estava acostumado a essa função, de tal forma que, quando alguns policiais colegas meus vacilavam em sacrificar os animais, eu chamava para mim a tarefa.
Mas eu tinha um cãozinho de estimação, um fox chamado Dick. Ele já tinha uns 10 anos de idade e eu o tinha criado desde filhote.
Mantive com o Dick uma estreita e amorosa convivência durante aqueles 10 anos.
Foi meu fiel companheiro e de meus irmãos. Tínhamos senhas, tínhamos manias comuns, tínhamos códigos, era como se ele também fosse humano. O amor que eu nutria por aquele cão foi um dos mais belos sentimentos que cultivei em minha vida.
Um belo dia, na rua em que morava, uma carroça com aros de aço passou por cima do Dick e ele ficou literalmente desconjuntado, com as quatro pernas quebradas, uma delas esmigalhada.
O Dick era um sofrimento só, porque ele não perdeu os sentidos, suportava com rara coragem os ferimentos.
Eram irrecuperáveis as lesões sofridas pelo Dick e ele tinha de ser sacrificado. Como sempre, com um tiro no ouvido.
Pedi a vizinhos que o matassem, ofereci o revólver, mas todos se recusaram.
O dono da carroça também se recusou. Cabia a mim, só a mim, dar o tiro de misericórdia no cão que eu amava.
Depois de relutar por uns 15 minutos, decidi dar o tiro no ouvido do Dick, que chorava e gritava de dor.
Não é preciso dizer que o valente inspetor de polícia que matava os cavalos e as vacas nos acidentes de trânsito em Tapes e Arroio dos Ratos virou um covarde tremente, sem coragem de desferir o tiro no cãozinho amado.
Tramei o truque mental de que meu tiro iria diminuir a dor cruciante de meu cachorro e apertei o gatilho.
Pobre do Dick, pobre de mim, pobre dos vizinhos e do carroceiro, todos apiedados, mas com muito maior compaixão por mim do que pelo cachorro.
Passei uns 15 dias chocado com aquele fato, traumatizei-me.
Sempre que adquiri um outro cachorro – e foram uns oito em toda a minha vida –, tive em mente o horror de que a história do Dick pudesse repetir-se.
Graças a Deus, nunca mais precisei matar cachorro meu. Todos eles morreram naturalmente.
Mas, quando vejo em algum lugar um animal ser sacrificado, sempre me vem à mente aquela cena minha de autocomiseração, aquela profunda dor que senti quando eliminei diretamente uma criatura de Deus que eu idolatrava.
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