sábado, 4 de fevereiro de 2012



04 de fevereiro de 2012 | N° 16969
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


Contos Tradicionais – Final

Os contos de Perrault e de Grimm mostram coisas sombrias, sim, mas mostram o amor, a coragem, a lealdade, a honradez. Nós, os 10 filhos do seu Euclides e da dona Mocita, ouvimos esses contos e crescemos e enfrentamos o mundo. Eu contei esses contos para os meus filhos e filhas e espero que eles os repitam para os meus netos e bisnetos.

Não a visão hollywoodiana, mas a nossa, gaúcha, brasileira, universal. Sim, há gente má, bruxas, madrastas, gigantes e o diabo solto no mundo. Agora, é mais sadio para a formação do cidadão e da cidadã do futuro que a criança saiba disso pela voz amorosa e cálida dos pais e dos avós e não pela televisão.

Que coisa impressionante! Os meus pais eram apenas alfabetizados: o velho Euclides foi à escola só por um dia e a dona Mocita jamais entrou em sala de aula – aprendeu a ler em casa. Nenhum deles era dado à leitura: aprenderam esses contos com seus maiores e repetiram para nós com palavras cujo significado verdadeiro ignoravam, mas intuíam com perfeita clarividência.

Cada um deles tinha o seu repertório, que não se misturava com o outro. “Os causos do pai”, “os causos da mãe”, era assim que nós, crianças, falávamos. Se, em algum serão, um de nós pedisse Joãozinho e Mariazinha para a dona Mocita, ela se esquivava: “Não, esse causo é do teu pai”. E a mesma coisa se pedíssemos ao velho Euclides, por exemplo, Os Três Fios de Cabelo de Ouro do Diabo: “Não, esse causo quem conta é a tua mãe”.

A minha memória, aos 77 anos, não é mais o que foi, mas escrevi, acho que com muita fidelidade, os contos tradicionais que ouvi de duas pessoas que tanto amei. Um conto deles me escapou, acho que era contado pela dona Mocita: Ali Babá e os 40 Ladrões.

De outro conto, este do repertório do pai, talvez eu não tenha me lembrado corretamente do começo: João da Burra. Meus irmãos e irmãs, tias, primos e primas não me ajudaram muito com suas memórias voltadas para questões mais atuais. Tive que revolver os escaninhos da minha própria memória, que é um verdadeiro baú de mascate, onde tem de tudo, misturado, de cambulhada. Fiz o possível e gostei do que (re)encontrei. Afinal, não sou mais um guri.

Ou sou? Escrevendo esses contos, me vi de novo com a minha irmã Élida e o meu irmão João Batista lá por 1941, 1942, em Uruguaiana, nos campos do Ijiquiquá, nas Três Bocas, enroscado nós, os três, na cama grande do seu Euclides e da dona Mocita, “pedindo um causo”, talvez atrapalhando algum projeto romântico do casal (tiveram 11 filhos e criaram mais dois).

Na campanha gaúcha daquela época, sem luz elétrica, as pessoas iam para a cama logo depois da janta, para não gastar com velas e lampiões. “Hoje tem causo, mãe?”

Tinha, quase sempre. Esquecidos da lida bruta no meio rural pobre, aqueles pais inventavam ternuras para pialar o sono dos filhos sem brinquedos. Mas com muito amor.

Sim, contar esses contos para as crianças é uma questão de amor.

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