terça-feira, 3 de maio de 2011



03 de maio de 2011 | N° 16689
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Mar de livros(8)

Nasci navegando num mar de livros. Minhas mais longínquas lembranças incluem sempre o escritório de advogado de meu pai e as altas estantes que se erguiam até o teto, reunindo obras jurídicas, com um porém. Uma parte não pequena abrigava romances, novelas, poemas e cultura geral.

Minha paisagem habitual – isto desde os dois, três anos – era a de meu pai e minha mãe lendo os volumes recém-encomendados de Porto Alegre, que por vezes ficavam guardados sobre móveis, com as páginas cuidadosamente demarcadas. Havia também as reuniões, sempre à noite, em que um cálice de vinho brindava, em coquetel com as opiniões dos amigos presentes, sobre uma cena, um personagem, um capítulo dos livros que eles haviam compartilhado.

Isso acontecia na cidade de Cachoeira e, creio, que em raríssimas outras naquele final dos anos 40. E aí ocorreu que, um tanto contra a sua vontade, meu pai foi eleito deputado estadual.

Isso desencadeou uma série de mudanças, a primeira das quais para Porto Alegre, onde ficava a Assembleia Legislativa. Mas em casa havia um problema especial. Como transportar tantos livros para a Capital?

Foi preciso operar uma cirurgia drástica. Toda a literatura jurídica encontrou abrigo nos escritórios de amigos de meu pai. E o mais restante?

Romances, poemas, crônicas, contos, peças de teatro foram minuciosamente depurados. Ainda assim, por um engano lamentável, a edição original de O Continente, o melhor de O Tempo e o Vento, perdeu-se na movimentação, ainda bem que encontrado depois um segundo exemplar.

Em Porto Alegre, o apartamento revelou-se pequeno para os volumes restantes, de modo que foi necessário estender as prateleiras pelos corredores.

Por que conto tudo isso? Primeiro porque hoje disponho de uma boa biblioteca que, embora superpovoada, se estende, envidraçada, por duas peças de minha casa, com charme e estilo.

Mas, antes de tudo, porque amo esse mar de livros.

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