sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010



05 de fevereiro de 2010 | N° 16237
DAVID COIMBRA


Os presos do Brasil

Prende-se demais neste país.

Prende-se errado.

A prisão é um instrumento punitivo mais ou menos recente no mundo ocidental. Consagrou-se com a Revolução Francesa, como quase todas as instituições do Estado moderno. Antes do século 18, os criminosos não eram presos.

O Estado já se vingou do infrator, e o fazia com tanta crueldade que a Lei de Talião, o “olho por olho, dente por dente”, foi considerada um avanço – pelo menos estabelecia-se uma relação entre o delito e a punição. Com a sofisticação da Civilização, houve outros avanços, embora lentos. A ninguém ocorria a ideia de restringir a liberdade do condenado.

O buraco no chão em que Herodes atirou João Batista, a masmorra na qual os legionários de Nero aprisionaram Pedro, a caverna em que Sócrates recebia Platão durante o período do seu julgamento, cada cárcere desses tinha a mesma função:

reter o acusado até que fosse proferida a sentença. Assim, a pena de João Batista foi a decapitação, a de Pedro ser crucificado de cabeça para baixo no Coliseu e a de Sócrates beber um cálice de cicuta. A nenhum deles cabia a possibilidade da reclusão forçada.

Na Idade Média, a mesma coisa. Não havia penitenciárias. As masmorras serviam para que o acusado esperasse pela condenação, que não raro era de mutilação, açoite, estripamento, humilhação pública ou, se o sujeito tivesse sorte, a morte rápida.

A restrição de liberdade surgiu como uma medida humanitária, portanto. E foi. Mas está desgastada.

A Arte, que está sempre à frente do Direito, ofereceu um exemplo bem ilustrativo disso, e o melhor: com base na realidade. No filme Meu Nome não é Johnny, o protagonista, João Estrela, é preso por tráfico de drogas.

Ele de fato é um traficante, mas a juíza que examina seu caso percebe que se trata mais de um aventureiro do que de um traficante profissional. Pela letra fria da lei, teria de condená-lo à reclusão por longo período. Mas resolve lhe imputar uma pena alternativa: o recolhimento por dois anos a um manicômio judiciário.

É o que lhe salva a vida. Saído do manicômio, João Estrela passou a trabalhar e reintegrou-se à comunidade. Tivesse sido preso, transformar-se-ia irremediavelmente em um bandido.

É o que causam certas condenações. O sujeito comete um delito, mas não é um bandido. Talvez seja um projeto de, mas ainda não o é. Preso, torna-se um. Pelo convívio com assassinos, estupradores, sequestradores e traficantes, por ter de sobreviver nesse meio e, também, porque ele passa a ver-se como um bandido.

Ele foi reduzido a tal, agora é esta a sua vida. Ele não tem alternativa, porque suas referências sociais são as do presídio. As do mundo do crime.

O debate que levanta o Rio Grande, o chamado “prende-solta”, é um debate atrasado e triste. Nunca se prendeu tanto no Brasil, nunca os presídios estiveram tão lotados, e nunca a criminalidade foi tamanha.

A repressão do Estado é importante e tem de ser bem aparelhada. Mas a pena de restrição de liberdade não há que ser a principal forma de punição. A Justiça precisa dispor de outras ferramentas punitivas. Não porque é mais humano. Não para que se faça bondade com o infrator. Mas porque é mais inteligente.

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