sábado, 20 de fevereiro de 2010



20 de fevereiro de 2010 | N° 16252
CLÁUDIA LAITANO


Vida (mais ou menos) real

O Globo publicou na semana passada uma curiosa troca de e-mails entre três repórteres da área de Cultura do jornal sobre o assunto mais comentado do verão (deste como dos nove anteriores): Big Brother Brasil.

De um lado, o crítico de cinema Rodrigo Fonseca como porta-voz da minoria apaixonada que costuma se referir ao programa usando os três bês para soletrar palavras como boçal, banal, bestial – ou outras menos publicáveis.

Do lado da maioria que garante a audiência, o crítico de música Leonardo Lichote, defendendo a tese (polêmica, em se tratando de um diálogo entre críticos) de que o Big Brother Brasil apresenta uma trama multifacetada, com uma estrutura dramática, baseada na edição e no desempenho dos integrantes “para as câmeras”, que supera, por exemplo, a desgastada e repetitiva fórmula da teledramaturgia nacional. Na posição de mediador, o escritor e jornalista Arnaldo Bloch.

É sintomático que um debate com pretensões intelectuais sobre Big Brother ganhe esse formato inusitado de uma troca de e-mails.

E não apenas porque a sensação de quem lê mensagens alheias acaba sendo um pouco parecida com a de quem espia a rotina de desconhecidos em um reality show, mas porque defender o programa costuma ser encarado como uma capitulação ao mau gosto e à indigência mental – ou seja, não é muito bem visto tirar o assunto da mesa de bar para de alguma forma “legitimá-lo” com um debate intelectual público.

E há várias razões para isso. Uma delas é a sensação de saturação criada pela cobertura convencional, que, somada aos comentários de amigos, vizinhos, conhecidos, estabelece um ambiente monotemático (e monótono) em que uma gota a mais de conversa sobre o assunto sempre soa além da conta (corro um sério risco aqui, portanto).

Some-se a isso o fato de que o programa se tornou uma espécie de emblema da cultura da celebridade, o leviatã preferido de boa parte da intelectualidade deste início de século. No mundo todo, a ascensão dos realities shows coincide com esse milagre midiático moderno que é o surgimento de pessoas que são famosas apenas porque são famosas. (Categoria em que Paris Hilton, não por acaso egressa de um reality show, reina absoluta.)

Ou seja: sobejam (para usar uma palavra que transborda sobriedade e distinção) motivos para fugir da sala quando começam as digressões sobre quem disse o que no BBB de ontem.

Mas é preciso reconhecer que há algo ali que propõe ao espectador uma experiência que pode ir além do mero teatro de trivialidades – aspecto mais visível de todo esse circo armado em torno de dinheiro, intrigas e romances editados.

Comparado com as novelas, o reality show é humanamente mais rico, como bem apontou o crítico Leonardo Lichote.

Enquanto a teledramaturgia parece repisar os mesmos temas há mais de 40 anos, o reality show convoca o público a acompanhar uma trama imprevisível, baseada em reações de pessoas de verdade (e, portanto, mais complexas do que os rótulos que colocamos sobre elas) e ainda estabelecer juízos sobre sua honestidade, seu caráter, seu carisma.

Ainda não inventaram nada melhor do que um bom romance para iluminar as nuanças mais sutis da experiência humana, mas mesmo a narrativa contemporânea tem embaralhado cada vez mais os limites entre ficção e vida real – o que parece ser um traço inescapável da nossa época.

No caso específico da televisão brasileira, não há dúvida: a vida (mais ou menos) real do BBB é muito mais interessante do que qualquer novela que está no ar.

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