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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
16 de fevereiro de 2010 | N° 16248
LUÍS AUGUSTO FISCHER
Fita branca
Fui ver este A Fita Branca, filme do austro-alemão Michael Haneke. Bá, uma dureza, uma pedreira. Para quem tiver alguma proximidade com o mundo mental e afetivo germânico, trata-se da experiência dura de reencontrar a conhecida capacidade de frieza, do senso de dever, da submissão ao poder, do dever da estrita correção,
coisas essas que, na versão leve, são o que Kant formulou positivamente no plano da cidadania – aquela tal concepção segundo a qual o indivíduo precisa sempre medir seus passos de acordo com um critério impessoal e de validade universal, como na famosa síntese: eu posso pisar na grama apenas se isso puder ser feito por todos, caso contrário não posso pisar na grama.
Na versão pesada, em que muda a ênfase e a regra passa a ser a de que o coletivo sempre tem mais razão que o indivíduo, a mesma configuração leva à demência, tal como visto no nazismo.
O filme tem imagens lindas, para quem gosta de frio; foi filmado em preto-e-branco, numa aldeia rural da virada do século 19; os quadros escolhidos para as várias cenas poderiam ser fotos sublimes de um álbum melancólico.
Mas o filme não é ótimo no que se propõe, vista a coisa desde o ângulo mais exigente, que requer personagens complexos em enredo interessante. Porque na mão (e talvez no coração) do diretor não há senão hipocrisia: os personagens com comportamento mau são caricaturas de maldade, como o médico e o pastor; o narrador, que vem de ser o professor da aldeia, é um ser anódino,
sem sangue, sem capacidade de proporcionar empatia (positiva ou negativa, não importa) ao espectador – os motivos por que resolve repassar, na maturidade, os acontecimentos daquela época, véspera da Primeira Guerra Mundial, são pífios ou mesmo inexistentes, e o que nos conta ao largo de duas horas não serve nem para sua busca pessoal de redenção, nem para registro documental, apenas para dar ao diretor a chance de vazar sua profunda e pelo jeito irremissível bronca com...
Com o quê, mesmo? Por ter sido criado na Áustria de nosso tempo, ele lembrará logo aquele atormentado Thomas Bernhard, romancista do ressentimento, para quem, igualmente, não é possível transcender as mágoas com o poder miúdo,
nas figuras do pai, do pastor, do médico da aldeia, do professor (mas não o do filme, que é um banana, um paspalho incapaz até mesmo da paixão que alega ter pela babá dos filhos do barão, que dirá capaz de indignação ética ou existencial). Haneke e Bernhard chafurdam nesse curto-circuito por assim dizer pré-freudiano.
Mas há algo ainda pior. É que o trabalho de Haneke vem sendo interpretado como a denúncia, sensível mas supostamente eficaz, contra o que seria uma nova versão do “ovo da serpente”, o nascedouro do autoritarismo, a raiz do nazismo: ao que dá a entender (narrativamente mal, a meu juízo), as crianças do filme é que seriam as autoras dos vários crimes, por vingança silenciosa contra os adultos prepotentes.
Para este espectador aqui, essa dimensão simplesmente não existe no desempenho dos atores (crianças e adultos), e só transparece mesmo nas entrevistas do diretor
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