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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
16 de fevereiro de 2010 | N° 16248
MOACYR SCLIAR
Samba, enredo, Brasil
Estou escrevendo uma história cujo personagem principal é um jovem gaúcho que, pretendendo entrar no Partido Comunista, viaja para o Rio de Janeiro na mesma época em que Getúlio Vargas, chefiando a revolução de 1930, chega ao poder. Li muito sobre esse período, e descobri algumas coisas curiosas.
Assim, o entusiasmo do povo com a nova liderança manifestou-se, como era de esperar, na música popular: Na marchinha Ge-Gê, Lamartine Babo proclamava: “Nós vamos ter transformação/ Neste Brasil verde-amarelo”.
E, no Carnaval de 1931, a Escola de Samba Vai Como Pode (futura Portela) apresentou um samba-enredo homeageando Getúlio, marcando o nascimento de uma nova forma de folia carnavalesca. Foi, se não o primeiro, um dos primeiros sambas-enredo.
O que não é fruto do acaso. Os anos trinta viram o nascimento do moderno Estado brasileiro, e nele a ordem, a organização, a disciplina eram consideradas condições fundamentais para o progresso. Até então o samba era uma atividade espontânea; cada um sambava como queria. Agora, não.
Agora o samba passava a fazer parte de um enredo, cuidadosamente selecionado, cuidadosamente preparado, luxuosamente apresentado – afinal, estamos falando do maior espetáculo do mundo. Até 1946 um certo grau de improvisação ainda era permitido. Depois daquele ano, não mais.
O samba-enredo também introduziu um elemento de intelectualidade no desfile. Antes, o samba coisa ingênua, em que as letras nem tinham muita importância.
A nova fase permitiu a aproximação, às escolas de samba, de pessoas que, por sua condição social mais elevada, nunca pensariam em participar do Carnaval. Em “Samba de Enredo – História e Arte”, recém-lançado pela Civilização Brasileira, Alberto Mussa e Luiz Antonio Simas analisam a trajetória de um famoso compositor de sambas de desfile: Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves.
O sobrenome é ilustre, e, de fato, Baeta Neves pertencia a uma das mais tradicionais famílias brasileiras. Quando começou a compor, nos anos 50, criou um problemão: a mãe brigou com ele, e nunca mais se falaram.
Mas o jovem Baeta Neves – ou Didi, como era conhecido nas rodas carnavalescas – seguiu sua vocação. Formou-se em Direito, certo, e tornou-se Procurador da República, mas não deixou o Carnaval. Só em 1971, e agora por insistência da esposa, afastou-se do samba. Mas, em 1978, deixou a mulher, deixou de ser procurador e voltou à sua paixão. Morreu em 1987.
O samba-enredo tem sua lógica; assim como o Brasil precisa de planos, de programas, o Carnaval necessita de um enredo. Uma vida com enredo, de preferência previsível, e com um final feliz é, afinal, o sonho de todos nós. Mas será que para os carnavalescos vale o mesmo raciocínio?
Diz Simas, um dos autores do livro: “Desde 1993, com ‘Explode coração’, do Salgueiro, há uma tendência a considerar samba-enredo bom aquele que tem um bom refrão”“, o caso de “Explode coração/na maior felicidade/
É lindo o meu Salgueiro/contagiando, sacudindo essa cidade”. Alguém lembra que o enredo da Salgueiro, “Peguei um Ita no Norte”, tinha a ver com uma viagem de navio de Belém até o Rio de Janeiro?
Simas acha que esta ênfase no refrão empobrece a qualidade do desfile, mas será que o povo está interessado em qualidade, ou será que quer apenas sambar, com ou sem enredo? Afinal de contas é Carnaval – é o mundo, e o Brasil, de pernas pro ar.
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