Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
25 de fevereiro de 2010 | N° 16257
L. F. VERISSIMO
Aqui, ó
Tem aquela piada do juiz italiano que ameaça mandar algemar o réu para ele parar de falar. O italiano talvez seja o único povo que tenha uma sintaxe gestual própria, um repertório de gestos típicos que permite identificar a sua nacionalidade de longe.
Brasileiro também gesticula muito, mas – fora uma ou outra representação de infortúnio, como o lado de um punho batendo contra a palma da outra mão, acompanhado de um “Ó”, quase sempre significando o que o governo está fazendo com a gente – nada que nos denuncie à distância. Mesmo estes gestos nacionais de longa tradição estão caindo em desuso.
Como a nossa língua, também a nossa mímica está sendo colonizada. Antigamente ninguém fazia o sinal de “OK” em filme americano sem que o cinema viesse abaixo no Brasil. Hoje um expressivo “O” feito com o pai de todos e seu vizinho na frente do peito, com os outros dedos estendidos, só causa perplexidade. Não ofende mais ninguém, não quer dizer mais nada.
Ou quer dizer “OK” de cabeça para baixo. Sua versão moderna é a mão no ar com o dedo do meio proctologicamente em pé, uma importação dos Estados Unidos. Não sobrou nem o jeito de insultar que a gente tinha.
Alguns gestos persistem mesmo depois de obsoletos. Pode-se imaginar um balê nostálgico de gestos que perderam a referência, flutuando no ar como balões sem dono. O gesto de acionar uma descarga de privada, por exemplo.
Ainda se puxa uma corrente imaginária, o mesmo gesto usado para puxar a corda de um apito de trem. Hoje a mímica correta para “puxar a descarga” – e, pensando bem, para fazer um trem apitar – seria a de empurrar um botão.
Mas quem a entenderia? O sinal internacional de “a conta, por favor” – uma caneta invisível escrevendo num papel subentendido – continuará a ser usado quando todas as contas saírem prontas do mesmo computador em que o garçom digitou o seu pedido e aproveitou para botar um couvert a mais.
Alguns gestos seguem o desenvolvimento da técnica. Ninguém mais “disca” no ar com um dedo para representar um telefonema – embora ainda deva existir uns dois ou três que giram uma manivela saudosa junto ao ouvido.
A simulação atual de telefone é o polegar e o midinho estendidos ao lado do rosto, um gesto óbvio só agora adotado, pois levou quase tanto tempo para se desenvolver entre os homens quanto o dedão opositor entre os macacos.
Ainda se rodeia o dedo perto da têmpora para significar loucura embora o conceito de que loucura seja um redemoinho na mente esteja ultrapassado. Como dizer que alguém não é exatamente esquizofrênico, mas paranoico com um forte componente depressivo de fundo neurossomático usando apenas um dedo?
Melhor fazer como no pedido da conta: manter o gesto impreciso mas tradicional, que dispensa especificações. Mesmo quando escrever a mão for tão desconhecido como, sei lá, puxar a descarga, os garçons o entenderão.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário