segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010



15 de fevereiro de 2010 | N° 16247
L. F. VERISSIMO


Outra carta da Dorinha

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, sempre teve grande intimidade com o poder, embora negue que chamasse o Washington Luiz de Vavá.

Ela reconhece que sua idade não é a que consta nos seus documentos, já que cada vez que sai da clínica do Pitanguy faz outro registro de nascimento, mas diz que as pessoas exageram. Ela deixou de frequentar os salões presidenciais durante a ditadura, em protesto não contra o poder discricionário dos militares, mas contra o que suas mulheres usavam.

Jurou que só voltaria ao Planalto na posse de um civil, para não sofrer outro trauma cívico com o tafetá, mas teve que ser retirada numa ambulância, desfalecida, depois de ver o jaquetão do Sarney. Mesmo com os breves intervalos Ralph Lauren com Collor e mineiro básico com Itamar, Dorinha estava convencida de que gente “comme nous” jamais chegaria ao poder no Brasil.

Não mudou de opinião nem com o Fernando Henrique, cujo estilo ela chamava de “intelectual amassado”. E depois veio o... Mas vamos deixar que a própria Dorinha nos conte na sua carta, escrita, como sempre, com tinta púrpura em papel lilás cheirando a “Ravage Moi”, um perfume condenado pela CNBB.

“Caríssimo! Beijíssimos. Escolhe um lugar decente. Sim, tenho pensado muito no que nos aconteceu nestes últimos anos. Lembro das vezes em que eu e o Mario Amato nos encontrávamos, nos abraçávamos e chorávamos, aterrorizados, ele com o que esperava o empresariado nacional com a eleição do Lula, eu com os horrores que passaríamos a ver em matéria de moda, em Brasília.

(Eu não tinha dúvida de que Lula tomaria posse de macacão). Ambos temíamos o que nos reservava o futuro sob uma ditadura do proletariado, e não adiantava tentar pensar no gulag como um spa para emagrecimento involuntário.

Meu marido na ocasião, cujo nome me escapa no momento, chegou a construir um abrigo anti-PT, onde nos refugiaríamos, com nossa prataria, alguns enlatados e águas Perrier e San Pellegrino até que chegassem os americanos.

Finalmente apareceu uma força política capaz de nos salvar do PT – o próprio PT! O governo Lula não foi nada do que a gente imaginava e nem as roupas da dona Marisa chegaram a assustar, muito.

E preciso dizer uma coisa: foi bom o Fernando não propor ao Lula que comparassem guarda-roupas em vez de governos, pois o Lula, no quesito passeio completo, quem diria, venceria. Não se tem notícia de uma transformação tão radical na política brasileira desde que o Zé Dirceu perdeu o seu “r” de Passa Quatro.

Enfim, me preparo para o Carnaval, com vitaminas, meditação e líquidos, muitos líquidos. Não, este ano não serei madrinha de nenhuma bateria.

Tive um sonho em que meu salto ficava preso no asfalto, eu morria atropelada por trezentos ritmistas e era retirada da pista pelos garis dentro de um tonel de lixo, triste fim para uma mulher que, como disse alguém, justificou o século. Não pergunte qual! Da tua precavida Dorinha”.

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