sábado, 13 de fevereiro de 2010



13 de fevereiro de 2010 | N° 16245
CLÁUDIA LAITANO


Os mijões e os corruptos

Além do Arruda, os mijões: o Carnaval 2010 promete entrar para a história como aquele das prisões surpreendentes. José Roberto Arruda é o primeiro governador a ter a prisão decretada em decorrência de um escândalo de corrupção após a redemocratização – e a única batucada que ele deve ouvir durante o Carnaval é a dos manifestantes em frente ao prédio da Polícia Federal.

No Rio, nunca tantas pessoas foram parar na delegacia por fazer xixi na rua: mais de 60 foram presas na última semana, e espera-se que o batalhão dos incontinentes flagrados em delito aumente muito nos próximos dias.

A prefeitura providenciou a instalação de banheiros químicos e de mictórios ao estilo holandês, que deixam o sujeito exposto ao olhar dos passantes, mas garantem para o xixi um destino mais adequado do que árvores, paredes ou cantinhos escuros.

(Os novos equipamentos já ganharam até o apelido simpático de “bom menino”, em referência à clássica marcha do Carequinha: “ O bom menino não faz xixi na cama/ O bom menino não faz malcriação/ O bom menino vai sempre à escola/ E na escola aprende sempre a lição”...).

Mas o esforço tem sido em vão. Ontem mesmo, fiscais do Choque de Ordem prenderam pelo menos sete pessoas, duas mulheres e cinco homens. (Foi a primeira vez em que mulheres foram presas por fazer xixi na rua no Rio. Igualdade é isso.)

Mas talvez haja entre os mijões e o Arruda mais elementos em comum do que a simples coincidência de estarem enfrentando, contra o ceticismo geral da nação, os rigores da Justiça – e isso em plena festa mundial do vale-tudo. A semelhança mais evidente entre corruptos e mijões é a dificuldade dos dois grupos em reconhecer os limites entre o espaço público e o privado.

A rua, para o folião em busca de alívio, não tem dono, assim como o dinheiro público (ou o dinheiro privado em busca de benefícios idem). E nada mais compreensível para quem ignora o conceito de interesse coletivo do que aproveitar as oportunidades – e as urgências – quando elas se apresentam.

Como o corrupto, o mijão sempre encontra argumentos para subestimar a importância do próprio gesto e os danos que ele pode vir a causar. Ambos também darão um jeito de culpar as falhas do sistema para justificar suas atitudes e contarão com as ausência de fiscalização para consagrarem a própria consciência como o único tribunal com poderes para decidir o que é certo e o que é errado. O que os fiscais não veem, o juízo ignora.

A diferença nada desprezível entre esses dois casos de descumprimento das leis de convivência social é que o requisito sine qua non para que o gesto inocente de fazer xixi se transforme em algo a ser punido é que ele aconteça na rua, na frente de todo mundo.

Já as cenas de corrupção que se tornam públicas, como no caso das gravações do governador do Distrito Federal e de seus amigos recebendo dinheiro, são exceção.

Ou seja: o mijão faz na rua o que deveria fazer escondido, enquanto o corrupto faz escondido o que quase nunca se torna público.

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