sábado, 20 de fevereiro de 2010



20 de fevereiro de 2010 | N° 16252
NILSON SOUZA


Sermão aos pássaros

Sempre que saio a caminhar pela manhã, converso com os passarinhos. Na verdade, com um pássaro específico que se aproxima de mim na hora da ginástica. Às vezes é uma pomba-do-mato, em outras ocasiões pode ser um bem-te-vi, um joão-de-barro, um sabiá, ou mesmo uma cambaxirra, que aprendi na infância a chamar de corruíra.

É uma conversa mística, confesso. Naquele lugar estive pela última vez com um amigo que já voou para outra dimensão.

Então, gosto de imaginar que seu espírito vem me dar um alô nas asas de um daqueles pássaros. Bobagem, meu predominante lado cético sabe disso. Mas é a minha forma de lembrar e de reverenciar a memória de uma pessoa que foi muito especial para mim.

Os pássaros nem ligam para a minha fala, que nada mais é do que uma oração silenciosa. Eles apenas a inspiram. Acredito que também não ouviram São Francisco de Assis, embora a lenda do santo conte que o bando de aves ficou em silêncio até que ele terminasse a sua pregação.

Pois o homem que falava com os animais parece ser a inspiração, também, desta Campanha da Fraternidade que acaba de ser lançada pelas igrejas cristãs do país. Os religiosos sugerem que as pessoas deem menos valor ao dinheiro, renunciem ao lucro e ao consumismo, deixem a ganância de lado. Ou seja: que todos passemos a agir, digamos, mais franciscanamente. Com todo respeito à proposta bem intencionada, pregam aos pássaros.

Ninguém vai parar para ouvir. O mundo gira em torno do dinheiro, as pessoas só querem saber de serem ricas, bonitas e famosas. Nem vou gastar o tempo dos leitores enfatizando esta verdade, que todos conhecem. Até mesmo porque, como disse Balzac com muita propriedade para o tema abordado, o tempo é o único capital das pessoas que tem como fortuna apenas a sua inteligência.

Em tese, muita gente vai concordar com a ideia de frear o consumismo, semear a solidariedade e preservar o planeta. Na prática, porém, nem as próprias igrejas renunciarão aos dízimos que as permitem viver com algum conforto, algumas até com inexplicável ostentação. Acho que era por isso que São Francisco pregava a sua filosofia de privações aos animais. Os homens jamais o ouviriam.

Pois o santo que me inspira na minha fantasia afetiva de todas as manhãs e que provavelmente inspirou também a campanha anticonsumo deixou entre seus legados uma das orações mais bonitas da história do cristianismo, de onde extraio uma frase que adotaria de bom grado como slogan profissional, se não parecesse demasiado pretensioso: “Onde houver erro, que eu leve a verdade”.

É o que direi amanhã para o primeiro pássaro que encontrar.

Um lindo sábado para você e um gostoso fim de semana

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