quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010



04 de fevereiro de 2010 | N° 16236
PAULO SANT’ANA


Um caso assombroso

A sensação é de mais completo desânimo e estupor. Um menino de 10 anos estava dentro do seu casebre no Bairro Rubem Berta, aqui na Capital, quando penetraram na casa dois ladrões, anteontem.

Antes de se adonarem de vários objetos pertencentes à família do menino, seguraram a criança e desferiram 34 facadas no corpo do garoto. Não se pode dizer que o menino morreu instantaneamente porque leva muito tempo desferir 34 facadas.

Pode-se calcular até que as facadas não matavam o menino, por isso eram dadas mais facadas, um crime monstruoso.

De nada servia para os criminosos a morte do menino, senão talvez para que ele não os denunciasse depois do furto.

Mas, como que possuídos por um ódio indomável, os ladrões foram esfaqueando o menino, numa tortura brutal que, mais que revoltar a opinião pública, a enoja.

Foi tão grande a revolta dos vizinhos do garoto barbaramente assassinado, que eles se autoconvocaram para vingar a morte do menino.

Investigaram e foram parar na casa de um suspeito de ter sido um dos assassinos. Armados de revólveres e pistolas, mataram o suspeito com 12 tiros.

Ou seja, um esquadrão da morte foi constituído às pressas no Bairro Rubem Berta e saiu para fazer justiça com as próprias mãos.

Não vou dizer que houve dois crimes. Porque a opinião pública certamente apoia o segundo, a execução do suspeito.

E, assim visto o cenário macabro, tolera-se o linchamento do suspeito, tal a crueldade da morte do menino. Em alguns setores, não só se tolera como também se aplaude.

Os vizinhos do menino assassinado fizeram um inquérito sumário, que demorou três horas, apontaram um suspeito, julgaram-no, condenaram-no à morte e o executaram.

Não se tem notícia de Justiça mais rápida.

Mas não que saia da minha mente a desconfiança, ontem já a ouvi no rádio: mas terá sido mesmo o suspeito linchado um dos autores da morte do menino? Não teriam agido por violenta emoção os linchadores?

A revolta contra os ladrões e assassinos prospera tanto na opinião pública, que ninguém se interessa se serão punidos os linchadores.

Atrevo-me a dizer que, mesmo que sejam levados à Justiça, serão absolvidos.

É que nós vivemos uma quadra dramática da segurança pública, em que os cidadãos se sentem inseguros, muitos deles já tiveram suas famílias atingidas pela violência reinante, têm a sensação de que podem ser as próximas vítimas. E se instala o terror entre eles.

E no Bairro Rubem Berta se instalou mais que o terror: instalou-se um sentimento de apressada e sangrenta vingança.

A todos os espíritos e inteligências, acorre a sensação de que os dois monstros que esfaquearam por 34 vezes o menino, deitando-o numa poça de sangue quando sua mãe imaginava que ele dormia e mostrou a intenção de beijá-lo ao chegar da rua, trabalhava fora como doméstica a pobre mulher e deixara o garoto sozinho em casa – a todos deve acorrer tranquilamente a conclusão de que foi a droga que levou esses dois animais a matar o menino.

Em mentes sadias, não perturbadas pela droga, não cabe tanta crueldade.

Mas, ao desolado jornalista que escreve esta coluna e se debruça sobre esse mal-assombrado caso do Bairro Rubem Berta, não escapa uma questão de remorso que poderia tingir de cores ainda mais sombrias esse episódio: terá sido o suspeito linchado a tiros um dos dois autores da morte do menino?

Terá sido?

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