terça-feira, 5 de janeiro de 2010



05 de janeiro de 2010 | N° 16206
PAULO SANT’ANA


Migração pela água

O jornal O Globo teima em publicar fotos abertas da Enseada do Bananal, em Angra dos Reis, além de outros sítios igualmente belos daquela cadeia de montanhas da Ilha Grande, onde ocorreram recentemente os deslizamentos que tanta gente mataram no Rio de Janeiro.

As fotos coloridas mostram uma paisagem de grande beleza, normalmente não exposta, mas agora no centro da cobertura da mídia sobre as tragédias, lamentando as mortes, mas principalmente anunciando que novos deslizamentos podem vir a ocorrer nos próximos dias.

Que força impele as pessoas a construir habitações, algumas em forma de pousadas, nas encostas de uma montanha, junto ao espelho d’água?

Reflito que elas tinham plena consciência do perigo que corriam, mas o correram enfeitiçadas pela beleza da paisagem que resolveram adotar.

Quem mora assim no pé de uma montanha, todo aquele paredão aparentemente vegetal sobre a cabeça, mas aquelas rochas e aquelas pedras ameaçando desabar a qualquer momento pelo encharcamento do solo instável pelas precipitações exageradas e próprias do verão, certamente tem nítida consciência do risco que isso significa.

A impressão, ao ver as fotografias da Ilha Grande e das montanhas que caem sobre as enseadas, é de que as pessoas que foram atingidas pelos deslizamentos morreram encantadas, hipnotizadas de deslumbramento pela paisagem que as circunda.

Parece que elas são chamadas lá, naquele paraíso evidente e inferno subjacente, por uma força estranha que as arrasta para uma destruição em meio a grande fulgor de beleza.

Não é outra a impressão que me causam essas dezenas de pessoas que se afogaram nos feriadões de Natal e Ano-Novo. Só no Ano-Novo, morreram 11 pessoas afogadas no Rio Grande do Sul.

Que volúpia é essa que as arrasta para os rios, para as lagoas, para os córregos e as faz mergulhar em lugares perigosos, muitas delas sem sequer saber nadar?

Mas, afinal, que atração magicamente magnética exerce a água sobre as pessoas? Leio, vejo e ouço sobre os milhões de pessoas que se atiram para o litoral gaúcho, enfrentando os engarrafamentos martirizantes do retorno.

Vejo que de Minas Gerais se deslocaram inúmeros jovens que morreram soterrados em Angra dos Reis e agora são sepultados nas Alterosas, sob o pranto dos seus familiares, mas sem nenhuma queixa ou mágoa.

Afinal, elas foram fazer o que tinham de fazer, mal despontaram as férias e elas se jogaram em massa e com entusiasmo, de carro ou de avião, da distante mas vizinha Minas Gerais, para as montanhas marítimas do Rio de Janeiro, em busca do prazer hedônico da proximidade do mar e do mergulho no mar.

Em Minas, há montanhas, mas infelizmente não há mar. E no Rio de Janeiro existe, ao saber dos geógrafos e dos naturalistas, o litoral mais belo do Brasil.

Olhem que, para ser mais belo que o litoral cearense (só quem o conhece para dizer!), para ser mais belo que o litoral baiano e o litoral pernambucano, até mesmo o Paraíso das Águas, que se constitui o litoral alagoano, tem de ser belo.

E foi atrás dessa beleza estonteante que foram os japoneses e os mineiros se instalar na Pousada Sankay, da Enseada do Bananal, Angra dos Reis, onde encontraram a morte. Morte feliz. Morte embriagada de beleza.

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