terça-feira, 5 de janeiro de 2010



05 de janeiro de 2010 | N° 16206
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Eles Foram para Petrópolis

Um livro chamado assim mesmo, Eles Foram para Petrópolis – Uma Correspondência Virtual na Virada do Século, saiu ano passado (pela Cia. das Letras). Foi, é, uma das melhores coisas que eu li nos últimos tempos. Já reli em parte, e certamente vou levá-lo nas férias para uma nova visita.

A natureza do livro é peculiaríssima, talvez inédita no mundo todo, e precisa ser detalhada. Começa que dois jornalistas, Mário Sérgio Conti e Ivan Lessa, trocaram e-mails publicamente, num site brasileiro (Uol), entre abril de 2000 e maio de 2001; era uma forma criativa de rechear o site, de colocar nele um conteúdo literário próprio ao meio – internet é um meio, não um conteúdo –, enfim, uma ideia bacana.

Nessa correspondência, os dois, que são leitores tarimbados, são pessoas interessantes, que vale a pena conhecer, se cutucam, se provocam, comentam coisas do mundo cultural, resenham livros e shows, falam do país e do mundo.

Em certo momentos, temos verdadeiras reportagens, como uma escrita por Conti a respeito de uma turnê de João Gilberto na Europa; em outros, temos belas especulações sobre o sentido da vida e da arte.

Esses e-mails foram agora reproduzidos, mas com um acréscimo que aumenta a temperatura de tudo, dá mais gosto e pressiona os buracos de saída do gás: também aparecem, sempre em ordem cronológica, emails privados em que os mesmos dois escritores falam coisas que não foram ao ar, ao site.

São momentos em que, como que espiando atrás das cortinas, ficamos sabendo de dores pessoais dos dois, que eles não colocaram na correspondência publicada.

Tem por exemplo uma tocante passagem em que Ivan Lessa e Mário Sérgio Conti comentam, tristes, a morte da mãe de Ivan, a cronista Elsie Lessa, em Portugal.

E tudo isso sem falar do principal: é um livro do Ivan Lessa. Bastaria isso para o livro ser maravilhoso: Ivan é o meu herói em matéria de ironia, é o pai da matéria, o cara que ensina (porque obriga) a ler entrelinhas e a curtir alusões, duplos sentidos, referências enviesadas, esses venenos sutis que fazem a literatura ser o que é – mas tudo isso ele faz de modo concentrado, em texto curto.

Se o leitor é jovem não vai saber, mas no antigo Pasquim, Ivan Lessa era o responsável pela, ora ora, seção de cartas. E lá ele não apenas respondia como também inventava cartas, fajutava bilhetes, sacaneava leitores reais, tudo isso com um humor que não sei descrever, mas sei apreciar, e que aqui, no livro, vai reproduzido e potencializado.

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