sábado, 5 de dezembro de 2009



05 de dezembro de 2009 | N° 16176
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (INTERINO)


O sumiço do tico-tico

E vamos então ao sumiço dos tico-ticos em Porto Alegre. Por um bom tempo, andei olhando atravessado para os chupins. O chupim estava condenado sumariamente como responsável pela redução da população de tico-ticos.

O chupim é um espertalhão. Põe os ovos nos ninhos alheios, e o ninho das tica-ticas é um dos preferidos. Com o nascimento dos filhotes dela e das chupins, a tica-tica tem sob seus cuidados uma ninhada faminta.

Dizem que os filhotes da chupim são maiores, mais famintos e mais chorões do que os da tica-tica. A mãe de todos tenta buscar alimentos para a turma, até ver os próprios filhos serem logrados na distribuição do alimento.

Conta-se que em algum momento é comum que a tica-tica, estressada, abandone o ninho. Salve-se quem puder. E os chupins, mais bem alimentados, são quase sempre os sobreviventes. E lá vão os chupins gordos e corados explorar outros tico-ticos. É a lei da natureza.

Quem observa o ambiente sabe que há cada vez menos tico-ticos em Porto Alegre. Os chupins teriam chegado a um estágio de degeneração moral que os impediria de estabelecer qualquer limite de relacionamento com as mães tica-ticas. Fui contagiado por esta conclusão, que circula por toda a zona sul da cidade.

Os chupins seriam predadores cruéis. Só iríamos ver tico-ticos em catálogos de bichos extintos ou em extinção, ao lado da arara-azul, do lobo-guará e do mico-leão-dourado.

Claro que o chupim, também conhecido como vira-bosta, não passaria num tribunal de ética da passarada. Mas, quando já estava condenando o chupim, decidi conversar com a professora Carla Suertegaray Fontana, do setor de ornitologia do Museu de Ciências da PUCRS. O chupim não é o vilão, me disse Carla.

É apenas um pássaro que pode estar sendo favorecido em sua estratégia pela ação do homem. Com a expansão da cidade, que elimina matos e campos, os ninhos dos tico-ticos têm menos refúgios, ficam mais expostos. O chupim se vale desse ambiente. Sim, o vilão é o homem. O chupim é apenas nosso cúmplice na degradação ambiental.

Outro pássaro, ao contrário, é favorecido pela ocupação humana de espaços verdes. Carla esclarece que o pardal é um espécie exótica antropocórica. Explica-se: o pardal se beneficia da antropocoria, que é a dispersão de sementes, restos etc. pela ação voluntária ou não do homem.

O pardal está onde o homem está. Alimenta-se desses restos e faz ninhos em telhados. O tico-tico se rala com a presença humana desordenada. O pardal comemora.

Perguntei então a Carla por que os sabiás estão enlouquecidos, cantando como nunca. Carla não tem informação sobre essa cantoria exagerada, mas apresentou uma suspeita. Os sabiás estariam cada vez mais disputando territórios. Cantar alto significa se impor na área. Aqui vou construir meu ninho e cuidar da minha fêmea.

Depois da curiosidade despertada pelos tico-ticos, muita gente pediu que eu investigasse outros fenômenos. Um deles: por que, enquanto alguns pássaros cantam cada vez mais alto, as mais emplumadas espécies neoliberais andam piando tão baixo desde a quebradeira financeira mundial? Até posso ver, mesmo que esse tipo de chupim esteja de fora do campo da ornitologia.

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