sábado, 5 de dezembro de 2009



05 de dezembro de 2009 | N° 16176
CLÁUDIA LAITANO


O mundo 00

A matemática e os obsessivos recomendam que não se toque no assunto até o final do ano que vem. A década termina em 2010. Mais ou menos como um casamento só acaba depois de assinados todos os papéis do divórcio, e nem um dia antes.

Na prática, porém, a gente sabe que em alguns assuntos o que vale mesmo é a percepção subjetiva de que uma coisa já não é mais o que foi – e contra esse tipo de evidência não há matemática que conte.

As listas de melhores e piores da década multiplicaram-se nas últimas semanas, principalmente na área cultural, onde o furor do rankeamento é quase irresistível.

Listas de músicas, filmes e livros são divertidas, mas podem agravar ainda mais aquela incômoda sensação (típica da década que está terminando) de que nossa capacidade de absorver informações é sempre muito menor do que a oferta. Se a lista for boa e completa, é provável que inclua itens que nos escaparam completamente e nos quais poderíamos ter prestado mais atenção se não estivéssemos tão ocupados assistindo ao último vídeo imperdível do YouTube que aquele amigo com quem a gente só conversa por MSN nos mandou ontem depois do almoço.

Minha retrospectiva da década não tem listas, mas um brevíssimo catálogo de impressões sobre a “vibe” do período. Daqui a 10 anos, quando me perguntarem como era o mundo nos anos 00, é provável que eu lembre de uma dessas três coisas:

1) O mundo era doente – por remédios

O Prozac estourou nos anos 90, o Viagra nos anos 00, e a década que vem pode ser a do “Viagra cor-de-rosa” – uma substância chamada flibanserina (guarde esse nome) tem apresentado bons resultados no tratamento de mulheres que perderam o interesse pelo sexo. Mas a mania por comprimidos desta década foi muito além dos problemas psicológicos ou das disfunções sexuais.

Nos anos 00, chegou à idade adulta uma geração que não vive sem remédios: para trabalhar, para ir a festas, para fazer sexo, para todas as anteriores. Em 2008, o Rivotril, um remédio tarja preta contra a ansiedade, foi o segundo mais vendido no país, perdendo apenas para a marca mais popular de anticoncepcional. A farmácia é a pracinha da Geração Y.

2) O mundo começou a acabar – e a culpa é minha

Os ecologistas vinham falando sobre o problema havia pelo menos 30 anos, mas quando um ex-vice-presidente dos Estados Unidos lançou um documentário sobre aquecimento global (2006), a parte mais distraída do planeta deve ter chegado à conclusão de que a coisa estava pegando muito além do que se imaginava.

A ecoconsciência deslizou rapidamente para a ecoparanoia. Crianças tomaram a dianteira, transformando-se em fiscais domésticos do desperdício. A campanha do xixi no banho, lançada este ano, mostrou até que ponto a ecologia chegou à vida, digamos, privada.

3) O mundo parou – mas só um pouquinho

Globalizou-se de um tudo nos anos 00: mercadorias, ideias, gripes, crises, momentos íntimos, paranoias, histórias de amor e ridículo. E nunca tantas pessoas riram ao mesmo tempo das mesmas bobagens.

Em meio a montanhas de informação não processada, a piada da internet é um pegue-leve: olhou, riu, esqueceu – sem culpa. Ao longo de 10 anos, a soma de todos esses minutos roubados do trabalho não chegam a compensar o princípio da mais-valia (se é que alguém ainda fala nisso nos anos 00), mas com certeza encurtaram, em alguns minutos diários, as jornadas de trabalho de milhões de pessoas que passam o dia na frente de um computador. Estamos vivendo a nanorrevolução da vagabundagem. E nosso líder se chama Pederneiras.

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