Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
domingo, 5 de julho de 2009
Fabrício Carpinejar
UM MINUTO
Os pais rezavam antes do almoço e da janta. E nos obrigavam a acompanhar. Restava engolir a fumaça e adormecer a pele na nuvem cálida de temperos. A comida esfriava à toa. Eu me irritava com a demora. Empunhava o garfo para o ataque e tinha que suspender os movimentos selvagens com "Um minutinho, meu filho, a oração..."
Ave-Maria era um couvert artístico em casa. Uma entrada inofensiva de verduras. Desesperador quando o pai estava inspirado e cumpria um sermão ao invés de somente acenar para Deus.
Na pressa semanal, escutava nitidamente apenas seu sinal da cruz. Durante sábados e domingos, o pai exagerava no discurso diante da possibilidade da sesta e da volúpia do quarto trancado com a mamãe. O sexo o tornava messiânico. O sexo o impelia a acreditar na vida eterna. Um gemido levava a outro.
Ele agradecia tanto que eu perdia o apetite. Comer sempre foi um adiamento. Arrebentei a toalha de mesa pelo controle sufocado dos dedos. Puxava os fios para me distrair. Do meu assento, a madeira da mesa já aparecia contornando o prato.
Às vezes, ele pedia aos filhos para conduzir a reza e mostrar união familiar. Engasgava, soluçava, tropeçava no colarinho apertado da escola. Lembro que fiquei de castigo ao saudar o campeonato gaúcho do Inter.
Gremista, enfureceu-se: "Futebol não é religião". Imagina se fosse...
Achava uma ironia o agradecimento divino ao servirem vagem e bife de fígado. Agradecer aquilo só podia ser uma humilhação. Nestes momentos, entrava em ressaca gustativa e torcia por um terremoto, o soar da campainha, o toque do telefone. Ou que o timbre paterno virasse a Voz do Brasil com uma hora ininterrupta de notícias.
A saudade apressa túmulos, é o que penso agora.
Não partilho de crenças católicas, abandonei esse hábito aos oito anos com o divórcio dos pais, sofro de ansiedade, mas não consigo interromper mais o minuto de silêncio da comida.
Prato feito, hesito, espero a oração em mim. Dobro as mãos como um guardanapo. Espio para cada um de meus filhos como quem limpa o acúmulo da infância da garganta. Parece gripe, mal-estar. Espaço a respiração e giro o rosto para qualquer premonição de som: o vento chiando na janela, o relógio martelando seus pássaros, os latidos dos cachorros.
Atento como porta de igreja. Certo como um mendigo na escada. Meus talheres permanecem bentos, religiosos do suspiro.
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