quinta-feira, 4 de junho de 2009



04 de junho de 2009
N° 15990 - PAULO SANT’ANA


O flerte e a dúvida

Me enganei redondamente. Pensei que o mais sublime e delicioso instante do amor se dava antes de ele ter acontecido: achei que era o flerte.

Aquela troca de olhares furtivos mas profundamente interessados, aquele fingir de nada querer tudo querendo, aquele disfarçar de indiferença, deixando notar, no entanto, que não há outra meta mais importante na vida naquele instante do que conquistar o alvo do flerte, aqueles desdéns planejados, estratégicos e maliciosos que intermedeiam o flerte, até o momento culminante desse jogo emocionante em que os quatro olhos se encontram e se fixam, aquele turbilhão de promessas imaginárias que exalam do flerte, pensei, era o flagrante mais elucidativo e saboroso do amor, maior e mais intenso e mais fogoso até do que a futura fricção dos corpos.

Mas não é o flerte o ápice exordial do amor. Experimentei o momento do êxtase do amor, também localizado nas primícias dele.

Se se for fazer um programa sobre os melhores momentos do amor, este outro instante que descobri irá para o lugar mais alto do pódio.

É quando, depois do flerte ou até mesmo da inexistência do flerte, se instalou na relação de amizade ou em qualquer aproximação entre um homem e uma mulher uma dúvida instigante e deleitosa: será que ela está me amando? Será que ele está me querendo?

Ou apenas está sendo gentil e cordial comigo? Ou deseja apenas ser minha amiga? Ou sou mais uma das pessoas que a atraíram por atributos que nada têm a ver com o amor e que apenas se destacam por assinalada sociabilidade?

Não se dorme. É impossível conciliar o sono quando esta dúvida ao mesmo tempo atordoante e deliciosa se instala na mente de alguém para quem falta apenas saber se o outro gosta e quer, para apaixonar-se perdidamente.

Digo-lhes que não há prazer mais extenso e abrasador que este: quando uma dúvida que falta pouco para se tornar certeza desejada toma conta de uma pessoa tocada pelas ondas anunciadoras do amor.

É tão avassaladoramente saborosa esta dúvida que alguns que são por ela tocados pedem aos céus que seja adiada a solução, mesmo que venha a ser favorável. Torcem para que a vida não lhes tire tão depressa aquela sensação divina de esperança.

E há até alguns que mesmo depois do amor consolidado preferem sempre ter em seu espírito esta dúvida como um nutritivo estímulo ao romance permanente.

Aí, no auge da minha labirintite, no início da semana, ouvi na Rádio Gaúcha um entrevistado do Lauro Quadros dizer que é bobagem ter medo de avião, cada um tem o seu dia marcado para morrer.

E o outro entrevistado: “Mas e se for o dia marcado para o piloto morrer e você está dentro do avião?”.

Se eu estivesse no programa responderia: “Se for o dia de só o piloto morrer, ele terá um infarto e o copiloto assumirá imediatamente o comando do manche do avião, levando até o fim a viagem”.

É impressionante como os desastres de avião mexem primordialmente com o imaginário das pessoas.

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