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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
UM POUCO DE NEPOTISMO
Ser professor é uma aventura. Ser aluno é outra aventura. A maior injustiça que eu vi, quando criança ou adolescente, era alguém repetir todas as matérias de um ano por ter sido reprovado em uma disciplina.
A incompetência administrativa do sistema era repassada para o estudante. Nunca vi na mídia uma crítica a esse procedimento estúpido e cruel.
Pensei nisso lendo um livro que me emocionou a ponto de me fazer lembrar de velhas histórias dos tempos de colégio. 'Vara de Marmelo' (Editora Renascença) é a história verdadeira de uma professora, mãe e mulher em busca do seu lugar no mundo. Gaúcha, numa escola de uma grande cidade do interior de São Paulo, ela viveu algumas situações exemplares.
Como não se arrepiar diante deste diálogo em sala de aula:
'Continuei a falar de mim e quando comentei que tinha filhos da idade deles uma menina falou aos gritos:
– Então você é mãe? Ah, então você é puta!
Sem pensar, devido ao susto que levei, respondi como quem está sendo atacada:
– Não, eu não sou. Por que a pergunta? A sua mãe é?
– Claro que é. Toda mãe é...
– Mas você sabe o que é uma prostituta?
– Claro, tia, quem não sabe? É trabalhá no ponto: a mãe se arruma e sai pra catá dinheiro, porque tem uns home de carrão que dão dinheiro pra elas...
– E você sabe por que eles dão dinheiro?
Ela não teve tempo de responder, pois a turma inteira começou a gritar:
– Tem que trepá, pô! Que burra essa tia!'
Quantos pontos, num programa de metas, deve somar um professor capaz de administrar uma situação dessas e ainda encontrar forças para continuar apaixonado pela sua profissão?
Será por isso que se inventou o mito do magistério como missão ou sacerdócio? Professores enfrentam problemas desse tipo, ou piores, em todos os andares da sociedade. Numa universidade, por exemplo, pululam os dramas pessoais de toda ordem.
Quem acha que professor trabalha pouco, ensina mal e vive reclamando de barriga cheia por excesso de ideologia, não tem a menor ideia do que diz ou está atolado numa ideologia. Quem lê 'Vara de Marmelo', de qualquer maneira, fica atônito: como tratar do mesmo modo universos tão diferentes?
Como não sair correndo quando um aluno desabafa nestes termos: 'Minha mãe não podia ter feito isso comigo só hoje me contou que to de niversario e o pior é que fica lá deitada no sol, por que tem programa de noite. Ela disse que niversario é bobage, que não tem grana pra isso. To com vontade de mata ela.
Vi numa casa uma festa no final os muleque estoravam as bexiga na maior zuera'. Aposto que os gênios da mídia se preocupariam, antes de tudo, com os erros de ortografia dessa mensagem desesperada.
Concluiriam que os alunos não estão aprendendo, que os professores não estão ensinando e que nossas crianças não estão sendo preparadas para o mercado. É incrível como a mídia vive separada do mundo real, fechada numa redoma de vidro, autista e soberba!
A autora de 'Vara de Marmelo' é pedagoga, arteterapeuta, escritora, integrante da Academia Santanense de Letras, pós-graduada em Arteterapia e em Tecnologia da Informação Aplicada a Educação e graduada em Teologia pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.
Em resumo, continua buscando aprimoramento pessoal, profissional e espiritual. Seu livro me tocou de tal maneira pela autenticidade que decidi pisotear um princípio e cometer nepotismo. Vera Machado é minha irmã.
juremir@correiodopovo.com.br
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