segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009



23 de fevereiro de 2009
N° 15888 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Outras vidas, outros tempos

Quando eu tinha seis anos, acompanhava meu pai, nos domingos de manhã, ao Mercado Público. Comprávamos ali uma massa que era fabricada à nossa frente por obra e graça de uma complicada máquina detentora do segredo do mais exclusivo dos sabores.

A Porto Alegre dessa época também tinha bondes. Uma de minhas mais antigas lembranças é ser levado por minha mãe, atravessando a espessa neblina de inverno, até a esquina da João Manoel e ali esperar que surgisse, iluminado em meio à névoa, o fantasma do bonde Duque.

Os domingos seguiam uma doce e tranquila rotina. A família em formação completa ia à missa das 9h na Catedral Metropolitana.

Recordo até hoje o latim do padre ecoando nas paredes de tijolos ainda nus. Depois visitávamos os jardins impecavelmente cuidados da Praça da Matriz e aí esperávamos o almoço, a que nunca faltavam spaghetti, galinha assada e salada de batata com maionese.

De tarde era o futebol. Porto Alegre tinha sete times – Inter, Grêmio, Renner, Cruzeiro, Nacional, Força e Luz e São José –, e cada um era dono de seu estádio. Recordo de um jogo a que meu pai me levou em que o Inter fez 6x0 no São José – no campo deles.

Sobrava antes espaço para a matinê. Os shoppings não tinham sido inventados e só na Rua da Praia e arredores havia oito salas de cinema que abriam direto para a calçada, algumas luxuosas como o Imperial. As garotas usavam os seus melhores vestidos e para os rapazes era não mais que natural o terno com gravata.

À noite se praticava um ritual de civilidade. As pessoas visitavam umas às outras, comentavam os fatos do dia, trocavam notícias e cultivavam amabilidades. Os filmes e os livros do momento eram discutidos, assim como as peças do Theatro São Pedro. Não era incomum que houvesse lugar para uma pontinha de conversas sobre a vida alheia.

Tudo isso transcorria numa atmosfera da mais completa segurança. As casas não eram fortalezas gradeadas. Assaltos eram raros, e os sequestros-relâmpago, desconhecidos. As drogas não financiavam o crime. Porto Alegre era uma ilha de tranquilidade.

O mundo era melhor então? Não. Era apenas diferente. Outras vidas, outros tempos.

Uma ótima segunda-feira e uma ótima excelente semana.

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