quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009



19 de fevereiro de 2009
N° 15884 - L.F. VERISSIMO


Outra carta da Dorinha

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, não revela a idade. Ela há anos tem conta no Pitanguy e diz que está se aproximando dos 30, mas pelo outro lado.

Diz que está em forma para o Carnaval e que só chegando muito perto dá para ver que seu umbigo não é mais o original, e ninguém que esteve tão perto viveu para contar. Este ano Dorinha sairá de “Crise Terminal do Capitalismo”, uma fantasia ainda mais luxuosa do que a “Apogeu e Glória do Capitalismo” que usou há alguns anos, e da qual só aproveitou as miçangas.

Dorinha e seu grupo, as Socialaites Socialistas – Tatiana (Tati) Bitati, Kiki (Ki) Coisa e as outras – sentiram a crise econômica de perto. A loja que abriram em Ipanema, a Trapinhos, lançou uma linha de camisetas com o Milton Friedman na frente, justamente quando ninguém queria mais ouvir falar em neoliberalismo.

Ainda tentaram transformar a cara do Friedman na cara do Keynes, mas não deu certo e elas ficaram com 10 mil camisetas encalhadas. Dorinha foi obrigada a... Mas deixemos que ela mesma nos conte. Como sempre, sua carta chegou escrita com tinta lilás em papel turquesa e com o cheiro inebriante do perfume Ravage Moi, que é proibido em vários países.

“Caríssimo: beijos preocupadíssimos. Não me lembro de passar por uma crise igual a esta desde que me deportaram da França, alegando que eu era uma ameaça à república. Meu marido na ocasião, Jean-Paul quelque chose, nada pôde fazer. Aliás, acho que foi ele que me denunciou. Sim, caríssimo, andei pela Europa e deixei lembranças explosivas, tanto que depois apelidaram Chernobyl de “Dora Avante 2”.

O casamento com Jean-Paul – ou era Jean-Claude? – não podia dar certo: meus ciclos sexuais eram regidos pela Lua e os dele pelo cometa de Halley. Não era por nada que eu o chamava de “Le Bleuf”. De volta ao Brasil, tentei de tudo, até casar por amor, que é parecido com dinheiro, mas acaba mais depressa.

Tive vários “relacionamentos” (o que protege a moral no Brasil não são os valores cristãos, é o eufemismo) sem fins lucrativos. Foram dias difíceis, mas venci a crise quando voltei à velha fórmula de só suportar homens que me sustentam.

Esta crise, no entanto, parece invencível. Afeta até os muito ricos, nada mais é sagrado. Meu marido atual, um bilionário, cujo nome me escapa no momento, só não fez harakiri porque eu gritei “No tapete persa não!”.

Finalmente, bolei uma maneira de ganhar dinheiro. Anunciei que iria escrever minha autobiografia, contanto tudo sobre os homens famosos com quem eufemismei, e desde então tenho recebido vultosas somas de dinheiro, de várias fontes, para esquecer o projeto.

A que ponto chegamos, néspá? Da tua angustiada Dorinha. PS. Uma boa notícia: descobri uma nova zona erógena. Mas só vou revelar onde é depois de patentear. Bjs”.

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