quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009



12 de fevereiro de 2009
N° 15877 - PAULO SANT’ANA


Mais uma chacina

Eu sofro mais do que meus circunstantes porque me preocupo com fatos que não são preocupação da classe média.

E, como só a classe média tem poder para pressionar os governos, os alvos das minhas preocupações continuam abandonados à própria sorte.

É que a classe média nem liga para as brutais chacinas que acontecem com frequência na Grande Porto Alegre.

E eu considero da mais alta gravidade esses crimes encomendados que vitimam famílias inteiras nas vilas populares que nos circundam.

O alvo principal das chacinas é sempre um homem que está num casebre ou num bar, acompanhado de familiares ou de amigos.

E não é só este alvo principal que é eliminado. As pessoas que estão em sua companhia são também atingidas pelas balas assassinas.

Quem comete assim essas chacinas nas vilas pobres detém um poder singular: julga e executa.

E quem assim julga e executa fica solto e certamente praticará outros crimes.

Ou seja, são uma espécie de milícia a serviço do tráfico ou do roubo que se encoraja pela impunidade e reina nos territórios de sua ação.

Quantas e quantas pessoas que não são mortas porque se submetem a esses esquadrões criminais? Quantas?

Evidentemente que estou escrevendo isso em face da chacina que vitimou quatro pessoas ontem na Vila Bom Jesus.

Como sempre acontece, os assassinos invadiram um casebre onde moravam as vítimas, pela noite, e despejaram dezenas de tiros sobre os quatro corpos.

Na grande maioria das chacinas, é divulgado que foi um ajuste de contas entre criminosos.

E a opinião pública, que optou por festejar que criminosos sejam mortos, encara com indiferença esses trágicos episódios.

Quanta violência, quanta chantagem, quanto amedrontamento, quanto medo, quantos cerceamentos de liberdade impostos pelos criminosos a moradores dessas vilas estão por trás das chacinas!

Fica muito claro que este terror criminal dividiu o nosso meio social em duas fatias muito bem definidas: a classe média e os abastados que vivem do lado de cá e os pobres do lado de lá, estes últimos encravados em um território em que reina a violência e o medo.

Há um apartheid nítido na sociedade e os que não são pobres encaram com indiferença toda sorte de violência impune que grassa entre as comunidades destituídas.

A classe média só se revolta ou se comove quando um dos seus membros é atingido por essa violência que fatalmente respinga, por assalto ou assassinato, nos segmentos mais favorecidos.

Mas, se as chacinas ocorrem nos casebres pobres ou miseráveis, nos cantões onde reinam soberanos os criminosos armados e organizados em grupos, a classe média, a chamada sociedade, que afinal detém o poder político, dá de ombros e não se importa com o noticiário, pouco se lhe dá que várias chacinas se verificaram do último ano até ontem ou anteontem, morrendo sempre a cada evento três, quatro ou cinco pessoas.

Só que os atores criminais estão espalhados ao redor das cidades. Fatalmente, eles atacarão as cidadelas, tanto que dentro delas hoje impera em nossos espíritos o medo, por onde quer que transitemos e muitas vezes até onde quer que moremos.

Eu sofro porque me dói, me punge e me revolta a sorte dessas vítimas das chacinas. Além de que esses atos, por serem em sua alentada maioria impunes, darão lugar obrigatoriamente a outros eventos igualmente trágicos.

É imperioso que todos nós, pelo menos, nos munamos da consciência de que vivemos num ambiente moral infecto e que, tanto dentro quanto fora dos presídios, a atmosfera que nos cerca é de perigo e dor.

E que as chacinas que ocorrem na Grande Porto Alegre são manifestações muito claras de que o crime está nos devorando como se devora mingau quente, pelas beiradas.

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