quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009



Igualzinho

Já faz um tempo que isso acontece. Encontro antigos companheiros, cumprimento-os, rio. Ao cabo de alguns minutos, acaba-se a euforia e nada mais temos a dizer. É um problema mútuo? É um problema meu?

Acho que não, pois há alguns, raros, com os quais, após anos sem ver, continuo a conversa interrompida, como se, ao invés dos anos de ausência, um de nós tivesse saído apenas por momentos para comprar Coca-Cola.

Não que os encontre como os havia deixado; isso não. Ao contrário. Quando os encontro, são outros e eu também sou outro, e nós, outros, gostamos de nos ver transformados e das coisas que dizemos e aprendemos nessa tranformação. O Problema não está nas transformações, mas na permanência.

O problema está quando encontramos alguém e vemos que aquela pessoa está ali, no mesmo lugar onde a deixamos, sem ter renascido, sem ter se transformado de outra forma que daquela que o tempo implacável nos transforma. Sem ter se movido mais do que a vida a fez mover-se.

Pois o tempo, se não renascemos, opera em nós uma transformação cruel. Deixamos de crer no que pensamos, deixamos de crer nos nossos planos. Lá no íntimo, passamos a sabê-los vãos, mas permanecemos vestidos com eles.

Eles vão ficando rotos, vão perdendo o viço que antes tinham nas nossas palavras. Quando falamos deles, eles já não nos empolgam, e tornam-se simulacros de planos, que repetimos para não perceber que já não temos mais nenhum, e que estamos sem planos e sem futuro, a esmo.

Quando falamos deles, o que fazemos é apenas uma imitação desanimada e vazia, teatro de nós mesmos no passado. Os planos nos movem, os planos nos animam, os planos nos regeneram. Os planos são a forma como o desejo de vida se enuncia para nós.

Daí que muitas vezes encontro cascas vazias, antigos companheiros que permanecem os mesmos. "Você está igualzinho!", me dizem, mas quem me diz está igualzinho e eu não.

Eu estou diferente, meus planos antigos abandonados, realizados ou não (isso não importa, afinal, e, confesso, poucos o foram), e outros planos, feitos do desejo de viver e da maneira como acredito que vá ser possível fazê-los, ocupam agora o lugar.

Se falo deles ao "igualzinho", parece que estou apresentando uma comucópia ao reverso, que ao invés de despejar riquezas e graças, suga a roupa puída, revelando a nudez do corpo envelhecido. Por isso o papo acaba. Já não sou o de antes, e já não consigo rebater a bola dos antigos sonhos, pois já não os sonho, mas a outros.

Tenho um olho bom para distinguir os que se regeneram. Gosto deles. Alguns não são fáceis, mas gosto deles memo assim. Guardo-os em uma coleção. Às vezes, como qualquer colecionador, examino as peças, sempre encontrando um detalhe novo. Sempre os encontro "igualzinhos"; indomáveis.

Ivan de Almeida

Boa sexta-feira e um ótimo fim de semana.

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