terça-feira, 24 de fevereiro de 2009



24 de fevereiro de 2009
N° 15889 - CLÁUDIO MORENO


A força do olhar

Perseu era jovem e impulsivo quando prometeu ao rei Polidecto que lhe traria de presente a cabeça da Medusa, uma das três Górgonas, a única que era mortal. Nem Hércules, em todos os seus 12 trabalhos, enfrentou um inimigo tão terrível quanto esta filha do horror e da escuridão.

Todos os que se defrontaram com ela tinham perecido perto de seu covil, e o mesmo teria acontecido a Perseu se Atena, a deusa dos olhos brilhantes, não aparecesse num sonho para avisá-lo: o verdadeiro perigo não estava nos dentes afiados de sua boca de fera, nem na sua cabeleira ondulante de serpentes vivas, mas nos olhos, gélidos e vazios, que transformavam em pedra quem quer que os fitasse.

A missão era quase impossível, mas os deuses forneceram as armas necessárias. Atena entregou a Perseu o seu escudo reluzente; Hermes, o mensageiro do Olimpo, cedeu-lhe suas célebres sandálias aladas; por fim, Hades, o senhor dos Mortos, emprestou-lhe um barrete negro como a noite, que tornava invisível quem o portasse na cabeça.

Assim munido, o jovem atravessou o céu, riscando as nuvens com a rapidez do pensamento, e chegou às remotas montanhas em que viviam as Górgonas.

Na treva quase completa, as estátuas petrificadas de homens e animais assinalavam o caminho da caverna em que dormiam as três irmãs. Guiando-se apenas pelas imagens refletidas no escudo polido, Perseu se aproximou de sua presa com passos de veludo. Ela o pressentiu e acordou, mas seu uivo horripilante não durou mais que o brilho fugaz da lâmina que lhe separou a cabeça do corpo.

Usando o escudo como espelho, Perseu ainda pôde ver o derradeiro olhar da Medusa, enquanto levantava no ar aquele troféu sangrento e o colocava no saco que tinha levado para esse fim. Ele agora era um herói, um futuro rei, e o Destino, que sempre favorece os corajosos, fez com que, no caminho de volta, conhecesse a bela Andrômeda, o grande amor de sua vida.

O povo que criou este mito, 3 mil anos atrás, já conhecia o poder que o olhar de outra pessoa pode exercer sobre nós - para o bem ou para o mal. É a nossa sina: nascemos para ver e ser vistos, e sabemos que é pelo olho que projetamos sobre os outros a força de nossos sentimentos.

“Quando teus olhos falam, é o meu coração que te escuta”, diz a canção popular, tosca na forma, profunda no conteúdo. Infelizmente, há olhares que paralisam e petrificam; quantas vezes não nos vimos transformados em estátua muda e melancólica pelos olhos gelados de alguma Medusa...

Há, no entanto, olhares que apoiam, estimulam e trazem vida, como o de Atena, que incutiu em Perseu a força necessária para seguir seu caminho, derrotar sua Medusa e, desta forma, chegar finalmente ao amor de uma mulher.

Nenhum comentário: