segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009



08 de fevereiro de 2009
N° 15873 - PAULO SANT’ANA


O direito à eutanásia

Uma mulher italiana de 38 anos está em coma vegetativo desde os 21 anos de idade.

Depois de sofrerem muito, esses anos todos, com o estado de saúde de sua filha, seus pais conseguiram autorização judicial para suspender a alimentação que ela ingere por meio de instrumentos há 17 anos.

Declaração do pai de Eluana Englaro, a mulher que sobrevive como um parasita: “Quando Eluana deixar de existir, voltará a uma dimensão humana, até agora está vivendo numa dimensão inumana. Minha filha foi violada, continuamente invadida em seu corpo, objeto de uma violência que ela teria definido como inconcebível e inaceitável, sem precedentes”.

Ocorre, no entanto, que, em face de pressão da Igreja Católica e de movimentos sociais de cunho religioso, o governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi baixou um decreto proibindo a suspensão da alimentação artificial e hidratação de Eluana, que já está em curso.

Como a suspensão gradual dos alimentos, Eluana demorará 21 dias para causar a sua morte, o governo quer apressar a tramitação do decreto, que no entanto obteve do presidente da Itália a recusa em assiná-lo, declarando-o inconstitucional.

O primeiro-ministro Berlusconi vai recorrer ao parlamento da Itália para impedir a tempo a eutanásia.

Sempre que externei opinião sobre este tema em minha coluna, fui favorável à eutanásia, a chamada morte piedosa.

Pelo simples motivo de que na vida vegetativa pode estar oculto um profundo sofrimento da paciente.

O direito à vida, no meu entender, tem um grau inferior de valor ao direito de não sofrer.

E a presunção de que a paciente, se tivesse consciência e pudesse escolher, optaria por que lhe tirassem a vida, torna imperioso ao Estado que conceda a eutanásia.

Ainda mais que os pais da mulher em estado vegetativo demonstram profundo sofrimento, inigualável tormento, em assistirem durante os 17 anos de coma da filha a esse espetáculo sinistro de uma vida já sem nenhum sentido e sem qualquer capacidade de recuperação, dando lugar à dúvida cruel de que a paciente pode estar sendo alvo de lancinante sofrimento.

O direito à vida, que a Igreja Católica e os movimentos sociais defenderam para pressionar o governo implica outrossim uma vida digna. E pressupõe uma vida recuperável.

A suposição, afirmada peremptoriamente pelo pai da paciente, de que ela esteja sendo vítima de profundos sofrimentos, dá conta de que se trata de uma vida indigna, sob o ponto de vista físico e moral infamante.

Além de produzir claramente em seus parentes sofrimentos indizíveis, uma verdadeira tortura existencial.

Não há mais retrocesso provável no processo de coma e vida vegetativa.

Devem ter sido estes argumentos que expendo que comoveram a Justiça italiana a permitir a eutanásia.

No entanto, a Igreja Católica italiana, a mesma que proíbe o uso da camisinha para tornar a vida dos seus usuários mais feliz e responsável, se atira agora irracionalmente contra a eliminação dos sofrimentos concretos dos pais de Eluana Englaro e dos sofrimentos presumíveis da mulher em coma.

Mas até quando querem que prossiga a vida sem sentido, estéril, comatosa dessa mulher, até quando? Até depois da morte por inanição moral de seus pais, daqui a 30, 40 anos?

Em casos como este e tantos outros, a eutanásia é um dever ecoante de humanidade.

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