terça-feira, 10 de fevereiro de 2009



10 de fevereiro de 2009
N° 15875 - MOACYR SCLIAR


Darwin no Brasil

Todo mundo sabe que Charles Darwin, cujo bicentenário de nascimento será lembrado depois de amanhã, desenvolveu a teoria da evolução depois de uma longa (cinco anos) viagem a bordo do Beagle, viagem esta na qual coletou, em lugares distantes, as plantas e animais que fundamentaram seu raciocínio sobre as mudanças das espécies.

Também se menciona que Darwin esteve no Brasil, em 1832 – morou no Rio, numa pequena casa em Botafogo, por quatro meses – mas não se comenta muito o testemunho que deu de nosso país.

Darwin ficou extasiado com a biodiversidade que aqui encontrou (hoje, ao menos em termos de mata atlântica, ficaria decepcionado). Mas, se a paisagem natural o deslumbrava, o aspecto social o revoltava, e isto por causa da escravatura, então no auge. Darwin era de uma família de abolicionistas; seu avô Josiah Wedgwood fazia campanhas antiescravistas, bem como a mãe e a esposa, adeptas daquilo que Darwin chamava de “causa sagrada”.

E aí ele vê, no Rio de Janeiro, coisas que o horrorizam, que “fazem seu sangue ferver”: a vizinha esmagando os dedos de seus escravos e chicoteando crianças negras. “A miséria do pobre é causada não pelas leis da natureza, mas pelas instituições que criamos”, escreveu então em seu diário. Quando deixou o Brasil prometeu a si próprio: “Com a graça de Deus, nunca visitarei de novo um país escravista”.

Esta passagem pelo Brasil inspirou a dois respeitados biógrafos do naturalista, Adrian Desmond e James Moore, uma teoria até certo ponto surpreendente. No recém-lançado, mas já polêmico, A Causa Sagrada de Darwin (Darwin’s Sacred Cause), sustentam que o ódio à escravatura foi fundamental para a concepção darwiniana da evolução.

Darwin, dizem, considerava a espécie humana uma coisa só, com ancestrais comuns, ao contrário do pensamento então vigente, segundo o qual diferentes raças (como a negra) corresponderiam a diferentes, e inferiores, espécies. Este raciocínio ele o estendeu a outros seres vivos; é o processo de seleção, dizia, que cria as chamadas características raciais, não o destino ou a vontade de Deus.

Conclusão: se Darwin não tivesse passado pelo nosso país, se não tivesse se indignado com os maus-tratos dados aos escravos, a teoria da evolução não existiria, ou teria outros característicos. Mais que isto, o fato de que era então jovem pesou; mais velho, ele perdeu boa parte do ímpeto igualitário. Na época da viagem, Darwin era, como Abraham Lincoln, nascido exatamente no mesmo dia, mês e ano (datas condicionam destinos), um convicto abolicionista.

Segundo o médico paulista Alypio Correia Neto, esta não foi a única coisa que Darwin levou do Brasil; aqui teria contraído a doença de Chagas, o que explicaria seus múltiplos sintomas, em geral rotulados como hipocondríacos. Será?

Doença à parte, o certo é que ele conheceu um lado vergonhoso do Brasil, mais vergonhoso que o castelo do deputado, atualmente dando manchetes. A histórica lição que daí tirou talvez o tenha ajudado a formular a teoria que mudou o rumo do nosso mundo.

Falando em histórica lição: não percam (vou repetir: não percam) O Leitor. Belo filme, e uma notável reflexão sobre a psicologia do autoritarismo.

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