quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009


NINA HORTA

A comida e o sexo

Sou mais um poemazinho brilhante da Adélia Prado do que um monte de vaginas e pênis didáticos

QUANDO SE começa a descobrir o prazer de cozinhar, tudo é novidade e diversão. Lembro-me, uma iniciante na profissão, achando na locadora lotada a prateleira de vídeos gourmets e gritando alvoroçada: "Achei, isto é o que mais preciso na vida!", em meio ao gentil e disfarçado silêncio dos frequentadores.

Nos anos 60, 70, se você quisesse vender um livro, teria que inventar um título como "Liberdade, Prazer e Sexo". Pois nesta semana encomendei "The Joy of Sex", de Alex Comfort, que imita o título do livro de cozinha "The Joy of Cooking", de Irma Rombauer, o manual culinário mais conhecido dos Estados Unidos.

Na edição revisada, o autor segue os passos do livro de culinária para ensinar a namorar. Inverteram-se as coisas. A comida está mais na moda do que o sexo.
"The Joy of Sex" seria o livro do chef, um livro para quem gosta de experimentar além das receitas básicas.

No primeiro capítulo, "Como fazer amor-gourmet", o autor traça um paralelo com a cozinha do chef, que não acontece naturalmente, começa no ponto em que uma pessoa sabe cozinhar e apreciar comida, tem curiosidade sobre ela e já se acostumou com a ideia de que dá trabalho. Pesquisam, experimentam receitas, descobrem que as técnicas podem ajudar.

E, do mesmo modo que você não pode cozinhar sem fogo, não pode fazer amor sem ter um certo conhecimento anterior. E, assim, vai o nosso livro de sexo baseado no manual de cozinha e seguindo o índice da grande cozinheira americana Irma Rombauer.

A primeira parte trata de ingredientes, depois aperitivos, pratos principais, molhos e picles. (Tudo que for além do manual básico é chamado de molhos e picles. Agora, a pessoa que gosta só de molhos e picles perde a parte mais substanciosa da refeição, o prato principal, o que é uma pena e um erro.)

As ilustrações são como as de livros de cozinha, também, vívidas, coloridas, risonhas, explícitas, de modo que se possa copiar o prato principal do melhor modo possível, como as ilustrações culinárias da Irma Rombauer, que mostra a mulher do subúrbio, de salto alto, loira, avental, tirando a fôrma do fogo.

Não sei o que fazer com o livro a essas alturas. Dá vontade de devolver para a Amazon ou para o crítico que me confundiu com sua resenha, porque não achei graça nenhuma nesta cozinha explícita do amor.

Não gosto mesmo, sou muito mais um poemazinho brilhante da Adélia Prado do que um monte de vaginas e pênis didáticos.

Vejam a diferença das receitas, de um e de outro, já devidamente revisados nos seus conceitos com o passar dos anos. O livro "The Joy of Sex": "O estado normal de amantes que levam o seu trabalho minimamente a sério é o requisito básico da nudez. Não devem começar a receita jogando a roupa fora, como strip-teasers, mas completamente nus.

A nudez, no caso, não quer dizer falta de ornamentos. Uma mulher pode estar completamente nua, mas colocar todas as suas joias". Ainda adverte que o picles das joias só serve para o dia, para o equivalente ao almoço. À noite, quando se dorme, pode arranhar e machucar.

O livro "The Joy of Cooking", ao falar do prazer da festa: "O mais importante é não exagerar. Todos os seus esforços devem ser para agradar o convidado. Esteja preparada para a festa, mas flexível.

Esforce-se por antecipar toda e qualquer emergência e, depois, relaxe. Se no último instante acontecer alguma coisa que atrapalhe seus planos tão bem elaborados, ponha-se à altura da situação. Uma pequena catástrofe pode ser a atração de sua festa.

Lembrem-se do poeta Horácio: "Aquele que recebe alguém é como um general; é preciso um acidente para revelar seu gênio'". O que, na verdade, torna tudo muito parecido.

ninahorta@uol.com.br

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