14 de fevereiro de 2009
N° 15879 NILSON SOUZA
Curioso caso
Esta fantasia já passou pela cabeça de muita gente, principalmente de gente com uma certa idade: nascer velho e ir rejuvenescendo ao longo dos anos. Para se contrapor à finitude do ser humano, Charles Chaplin elaborou uma anedota genial a respeito do assunto, imaginando uma inversão no ciclo da vida. Primeiro morreríamos, para nos livrarmos logo do pior. Depois, iríamos para um asilo, até sermos expulsos de lá por estarmos novos demais.
Aí ganharíamos o relógio de ouro da aposentadoria e começaríamos a trabalhar. Então, depois de muita festa e excessos, preparação para a faculdade. Após, retorno ao colégio, várias namoradas, infância, nenhuma responsabilidade, volta ao colo da mãe, ao útero e, na viagem imaginária do humorista, tudo terminaria num ótimo orgasmo.
Pois o cinema realizou a fantasia, no excelente filme O Curioso Caso de Benjamin Button. A história, baseada num conto de Scott Fitzgerald escrito nos anos 1920, aborda a vida do bebê que nasceu com aparência de ancião e foi remoçando com a passagem do tempo.
Tem de tudo no filme: humor inteligente, emoção, drama, paixão e algumas atuações fatalmente condenadas ao Oscar. E o mais interessante é que não há personagem mau. Tá bem, o pai do matusalenzinho dá uma vacilada, mas depois se arrepende e procura se redimir.
São várias as mensagens da história, mas acredito que a mais significativa é exatamente a que impõe uma reflexão sobre o inexorável ciclo da vida. Mesmo quando o relógio do tempo anda para trás, como no filme, a idade acaba condicionando nossos valores, nossos sentimentos, nossas aspirações e nossos afetos.
Por mais que Chaplin tenha considerado a vida injusta pela maneira como ela termina, a natureza tem se mostrado sábia e democrática na distribuição de rugas e cataratas. Podemos até retardar seus efeitos, mas ninguém a engana por muito tempo – o que acaba sendo um grande consolo.
O próprio cinema já simulou situações de pessoas que ficam para semente, hibernam e acordam em outra época, sempre com consequências dramáticas para a sua saúde mental. Quando perdemos referências, principalmente as afetivas, perdemos também a razão de viver.
Este talvez seja o curioso caso de cada um de nós. Somos passageiros do tempo, com passagem apenas de ida para um lugar chamado incerteza.
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