terça-feira, 10 de fevereiro de 2009



10 de fevereiro de 2009
N° 15875 - PAULO SANT’ANA


Um testemunho decisivo

Se eu fosse juiz federal ou membro de segunda instância da Justiça Federal aqui em Porto Alegre, foros que julgarão o impasse entre o Hospital de Clínicas e as duas procuradoras da República, julgaria somente um aspecto da questão: os segurados do SUS se beneficiam com o atendimento no Hospital de Clínicas de pacientes pertencentes a convênio e particulares?

Essa é a grande questão. Se, como atestam os dirigentes do Hospital de Clínicas, eles somente podem exceder o teto de atendimento fixado pelo SUS, atendendo portanto mais pacientes do SUS do que os que o SUS custeia, somente podem renovar o equipamento tecnológico do hospital, somente podem fornecer a determinados pacientes do SUS medicamentos não cobertos pelo SUS,

com os recursos advindos do atendimento aos convênios e particulares, se isso acontece como juram que acontece em publicações feitas nesta coluna os dirigentes do Hospital de Clínicas, então eu não teria dúvida, como magistrado que iria decidir sobre essa questão, em manter no Hospital de Clínicas o atendimento a convênios e particulares.

Porque em time que ganha não se mexe.

Notem agora o primordial, essencial, imprescindível e-mail que recebi ontem sobre o assunto: “Caro Sant’Ana. Meu pai, Oswaldo U. Rezende, é militar, e há dois dias (5/02/2009) sofreu um AVC (acidente vascular cerebral).

Até chegarmos ao HPS, fizemos respiração boca a boca e tudo o que entendíamos possível, mas nos desesperamos em razão da gravidade do quadro. Pensamos que iríamos perdê-lo. Os zelosos médicos do HPS imediatamente pediram a transferência dele para o Hospital de Clínicas, pois somente lá havia possibilidade de ser efetuado o procedimento que, em seguimento, salvaria a vida de meu pai.

A remoção foi imediata, pela Samu e, em menos de meia hora, os competentes médicos do Hospital de Clínicas realizaram o tratamento denominado trombolítico. Soube que tal procedimento é muito caro (mais de R$ 3 mil o frasco), e que o SUS não cobre esse custo.

Entretanto, mesmo assim, o HCPA aplicou o tratamento, cobrindo a despesa que seria do SUS. O resultado é que, como por milagre, em menos de uma hora meu pai voltou a respirar, enxergar, falar, se mexer – a viver. Pois é, Sant’Ana, senti na pele os efeitos da discussão relativa à restrição que querem impor ao HCPA, de auferir lucro com atendimentos particulares.

E posso testemunhar que esse dito ‘lucro’ é, em verdade, uma manobra que o HCPA faz, de modo que lhe seja possível salvar vidas – quando o Estado se omite nesse seu mister. Por fim, conhecendo (bem)de perto a emergência do SUS do HCPA, tenho refletido por que, afinal, a discussão não é outra: como auxiliar o HCPA no atendimento – heroico – que faz às centenas de pacientes diários que recorrem à emergência pelo SUS? (ass.) Bettina Rezende Vieira (lebema@terra.com.br)”.

Esse e-mail bateu aqui em minha caixa como um raio de luz a iluminar a penumbra dessa discussão.

Notem bem que a missivista esclarece que “somente lá”, no Hospital de Clínicas, havia a possibilidade de ser feito o atendimento.

Claro que “somente lá”, pelo SUS, poderia ser salva a vida do pai da missivista. Em hospitais privados, o procedimento é curial.

E se o Hospital de Clínicas, como atesta a missivista, salvou a vida de seu pai com um procedimento cujo custo não é coberto pelo SUS, cada frasco do medicamento custa mais de R$ 3 mil, então é porque milhares de vidas são assim salvas no Hospital de Clínicas com verbas não custeadas pelo SUS e que são buscadas no atendimento do hospital aos convênios e aos particulares.

As bem-intencionadas procuradoras que intentam essa ação contra o atendimento do Clínicas aos convênios hão de convir que este exemplo joga luz solar sobre o debate e é capaz de desencorajar a tese de que se deve mudar um sistema de sucesso social e médico indiscutíveis.

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