Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
MARCELO COELHO
O luxo e o seu contrário
É de Joãosinho Trinta a frase: o povo gosta é de luxo, quem gosta de miséria é intelectual
É COMUM topar com um bocado de demagogia nos comentários, falados e escritos, a respeito dos desfiles de Carnaval. Mas reconheço que há também demagogia do lado oposto. Sempre se pode obter apoio dirigindo hostilidades contra o Carnaval -com as quais me solidarizo. Não é só que os desfiles sejam chatíssimos e intermináveis, pelo menos nas transmissões pela TV.
Tudo me parece também incompreensível, grotesco, e nem consigo ver onde está a alegria dos passistas e dos destaques.
Quando a câmera os focaliza de perto, vejo pessoas exaustas, de olhar esgazeado, com sorrisos que parecem caretas, como se aquele entusiasmo todo também fosse feito de silicone.
Tenho o mesmo tipo de reação com os desfiles de moda: as coisas mais ininteligíveis, arbitrárias e descombinadas se festejam como grandes lances estupendos de criatividade e ironia.
O descompasso entre o que vejo e o que se diz é tão grande, que termino por me interessar; gosto, pelo menos, quando alguém me explica alguma coisa.
Comprei, assim, um belo e caro livro dedicado à história dos Carnavais de Joãosinho Trinta. Chama-se "O Brasil É um Luxo" e foi patrocinado por uma grande empresa das telecomunicações.
Organizado por Fábio Gomes e Stella Villares, traz colaborações de uma grande comissão de frente, da qual fazem parte o coreógrafo Ivaldo Bertazzo, o pintor Rubens Gerchman e meu vizinho na Ilustrada, Carlos Heitor Cony.
Cony conta ter conhecido Joãosinho Trinta em 1956, quando este era bailarino do Teatro Municipal do Rio. O futuro carnavalesco tornou-se em seguida cenógrafo, e se com ele a cultura erudita foi "canibalizada" nos desfiles de escola de samba, é interessante notar que também se deu o caminho inverso.
O diretor de teatro e cinema Franco Zeffirelli estava no Rio de Janeiro para montar a "Traviata", de Verdi, e Cony teve a ideia de levá-lo para ver um desfile de Joãosinho Trinta. "Zeffirelli surtou", escreve Cony, e refez toda a montagem, incorporando a influência do carnavalesco.
Só essa história já daria um belo enredo de Carnaval.
É atribuída a Joãosinho Trinta a famosa frase segundo a qual povo gosta é de luxo, e quem gosta de miséria é intelectual. Isso pode não ter mudado muito, mas um adendo se faz necessário. Intelectual gosta de miséria, mas adora repetir essa frase, e passou a gostar de Joãosinho Trinta.
Pelo menos, depois do histórico desfile da Beija-Flor em 1989, quando mendigos, ratos, urubus e muito lixo apareceram no sambódromo.
Para nada dizer dos conflitos de Joãosinho Trinta com o clero mais conservador do Rio de Janeiro.
O que se vê no livro, além da previsível quantidade de fotografias nesse tipo de edição de luxo, é o desenvolvimento de um debate político muito peculiar, e sem dúvida intenso, ao longo da carreira de Joãosinho Trinta.
Hiram Araújo, carnavalesco de uma escola rival na década de 1970, conta de modo interessante os atos, digamos, de "resistência" protagonizados por Joãosinho Trinta durante o regime militar.
A Beija-Flor fazia enredos bem ao gosto dos governantes da época. Enalteceu o Mobral em 1973 e nos anos seguintes desfilou com "Brasil, Ano 2000", e "Grande Decênio". Contratado pela escola, Joãosinho Trinta varreu dos enredos esse tipo de coisa.
Já tinha, por outro lado, comprado sua briga com parte da esquerda, que era tão avessa quanto o regime militar ao emprego de temas "não-brasileiros" nos enredos de Carnaval. Joãosinho Trinta mostrou, em 1975, um desfile sobre as minas do rei Salomão, tema que só passou por ter alguma ligação com o Brasil porque se enfiou na história a tese de que as riquezas da Amazônia eram o verdadeiro tesouro do personagem bíblico.
Eis um caso em que o delírio, o absurdo, a tal "criatividade popular e espontânea" que tanto se elogiam, e que tanto me incomodam nos desfiles de Carnaval, parecem ser a resposta mais lógica e racional para os absurdos e delírios da própria realidade.
Uma outra frase de Joãosinho Trinta, reproduzida no livro, merece ser destacada aqui. Diz ele: "Ninguém tem o direito de dizer não ao absurdo". Mas, pelo que pude aprender do livro, talvez tenha sido esse "não ao absurdo" o que Joãosinho Trinta expressou, ironicamente, nos momentos mais marcantes de sua carreira.
coelhofsp@uol.com.br
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário