quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009



26 de fevereiro de 2009
N° 15891 - PAULO SANT’ANA


Os carros devolvidos

Uma das piores notícias dos últimos dias mostra a face horrenda da crise econômico-financeira que o mundo vive e já se reflete no Brasil: os bancos e financeiras nacionais estão guardando já um estoque de 100 mil carros recuperados de clientes por falta de pagamento.

Estes 100 mil carros de clientes brasileiros inadimplentes significam número equivalente à metade das vendas de veículos novos no país, só para dar uma ideia da gravidade do dado.

E informam os observadores que a inadimplência no setor vem num crescendo.

Basta dizer que, de cada quatro carros de clientes inadimplentes, um apenas é recuperado pelos bancos, os outros três são alvos de negociações dos financiadores com os tomadores do empréstimo.

Os pátios dos bancos e das financeiras estão repletos de carros, o que ocasiona uma pressão inédita no mercado de veículos usados, que redunda em queda nos preços nunca antes verificada.

Essa notícia é duplamente assustadora: tanto porque reflete a brutal crise no poder aquisitivo dos adquirentes de carros, amassados pelo desemprego e outras variantes da recessão, quanto porque acarreta danos preocupantes para o sistema financeiro.

Além de influir diretamente na queda violenta da venda de carros novos, o que se sabe pode vir a ser fatal para o equilíbrio econômico brasileiro, que depende vitalmente da saúde industrial das montadoras.

Verifica-se assim no Brasil o que originou a crise mundial nos EUA: lá a população foi obrigada a entregar para as seguradoras os seus imóveis. Aqui os brasileiros estão sendo obrigados a devolver para os bancos os carros financiados por não terem as mínimas condições de adimplência.

A gente vê as ruas das cidades apinhadas de carros, engarrafamentos por todos os lados. E calculava-se que esse era um dado revelador da pujança econômica do povo.

Qual o quê! As multidões brasileiras valiam-se apenas dessa prodigiosa invenção do capitalismo, o crédito, mediante o qual se gasta, se usa ou se consome um bem antes mesmo de ter-se ganho o dinheiro equivalente a ele.

E então sobrevém a crise, o titular do financiamento perde o emprego, ou alguém de sua família perde o emprego, ou então cessam seus ganhos nos negócios ou outra atividade informal - e se topa então com a pior de todas as situações: ter de devolver o carro para o banco por falta de recursos para o pagamento das prestações.

É muito duro, é cruel, mas faz parte do sistema.

Quantas vezes se perguntou aqui e em outras partes da imprensa: onde é que está crise?

Noticiava-se sobre a crise, mas não se notava nas ruas nenhum dos seus efeitos.

Não se sabia que a crise vinha a caminho e por essa inadimplência no financiamento dos carros se vê o que já tem de gente sofrendo.

Tenho um amigo que esteve na semana passada em Nova Iorque e me disse que ficou impressionado com os aspectos visíveis da crise: lojas e restaurantes vazios em toda a cidade.

Por aqui, ainda não se verifica isso, oxalá não venha a verificar-se, mas paira a ameaça de que a crise possa vir a tornar-se aterradora.

O Banco Mundial está declarando que Brasil e Chile são os países sul-americanos menos vulneráveis à crise.

Mas estes primeiros 100 mil carros recuperados pelos bancos dos seus clientes nos dizem que não somos tão invulneráveis assim.

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