
MOACYR SCLIAR
Divórcio e recessão
Uma noite ele voltou para casa perturbado, mas sorridente. Achei um lugar para nós, anunciou o marido
Há uma piada nos EUA: o motivo pelo qual um divórcio é tão caro é que ele "vale o preço". Para um crescente número de casais americanos, porém, esse preço se tornou alto demais.
Especialistas relatam que a crise econômica está forçando casais a permanecerem juntos, e, para quem insiste na separação, a briga agora é para ver quem vai ficar com a casa e as dívidas que vêm com ela.
A Academia Americana de Advogados Matrimoniais diz que, em uma proporção de quase dois para um, seus afiliados veem a uma queda em pedidos de divórcio devido à recessão. Dinheiro, 4/ 1/2009
FOI UM LONGO casamento, mas lentamente começou a chegar ao fim. Sem brigas; os dois -ele, engenheiro mecânico, ela, professora- eram pessoas finas, educadas e sabiam como se portar mesmo numa situação difícil. Já não partilhavam a mesma cama, cada um tinha seus casos, mas discutiam francamente a questão do divórcio.
Não precisavam de advogados e muito menos da ajuda dos filhos, que, já adultos, moravam em cidades distantes e preferiam não se envolver. Não era necessário, aliás. A questão da casa, por exemplo, foi resolvida depois de algum debate. Pesava sobre ela uma dívida, mas chegaram a um acordo: o marido ficaria de posse do imóvel, do qual gostava muito, e arcaria com a quantia a pagar.
De repente, a recessão. Foi ruim para os dois, sobretudo para ele. Executivo em uma grande montadora de automóveis, perdeu de imediato o emprego. Ela conservou o seu, mas teve de renegociar uma redução no salário.
Mais que isso, a casa foi tomada pelo banco. O que fazer? Mais uma vez se reuniram, os dois. Debateram bastante e chegaram a uma conclusão: o divórcio teria de ser adiado. Não tinham como manter duas moradias nem como arcar com as despesas judiciais. O jeito era esperar uma melhora na situação econômica.
Afinal, ponderou ele, o país já tinha passado por outras crises antes e se recuperado. Num futuro, que acreditava não muito distante, as coisas melhorariam, eles se separariam e cada um poderia seguir sua vida. Ela concordou.
A primeira providência seria conseguir um lugar para morarem durante aquilo que denominavam, eufemisticamente, de "período de transição". Não foi fácil. Só dispunham dos rendimentos dela, e não queriam recorrer aos filhos, que também estavam em dificuldades.
Teria de ser um apartamento, e pequeno. Puseram-se a campo, cada um procurando. Uma noite ele voltou para casa perturbado, mas sorridente. Achei um lugar para nós, anunciou.
Era um velho e pequeno apartamento de um dormitório -o apartamento em que tinham morado quando recém-casados. Por uma incrível coincidência estava vago. E o aluguel era acessível.
Ela sorriu: deve ser a mão do destino, disse. No dia seguinte mudaram-se, e à noite lá estavam os dois, deitados na velha cama de casal. Normalmente cada um deveria virar-se para seu lado e adormecer.
Mas, num impulso, abraçaram-se. E aí tiveram o que, na manhã seguinte, ele, sorridente, chamou de "uma segunda lua-de-mel". Estão se redescobrindo, estão se reapaixonando. E só esperam uma coisa: que a crise dure muito, muito tempo.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário