
12 de janeiro de 2009 | N° 15846
DAVID COIMBRA
Nata, schmier e linguiça
Quando trabalhava em Novo Hamburgo sempre arrumava uma pauta no Centro, lá pelo meio da tarde. Sabe para quê? Para ir a uma das banquinhas na Praça do Imigrante e pedir o seguinte:
uma caneca de café com leite e uma fatia de pão caseiro untada com copiosa camada de nata e outra igualmente copiosa de schmier, estando ambas as camadas encimadas com meia dúzia de rodelas de linguiça, na época muito melhor, porque com trema. Que deleite aquele café no Centrão de Novo Hamburgo!
Prato bem de alemão esse, mistura de doce com salgado. Lembro do meu avô, o velho alemão Walter, comendo arroz. Minha avó servia-lhe um pratão de arroz branco e, ao lado, acomodava uma compota que ela mesma havia preparado, de pêssego ou figo em calda. Meu avô mergulhava a colher na calda e depois derramava-a sobre o monturo de arroz, e comia com gosto. Arroz com calda de pêssego. Quase tão bom quanto pão com schmier, nata e linguiça.
Se Novo Hamburgo não tiver prato típico, bem que poderia eleger este. Podia até fazer um festival do pão com schmier, nata e linguiça. Falo do pão de NH por causa do Gre-Nal que será disputado em Erechim em 8 de fevereiro. É que o Interior tem delícias que poucos conhecem e poderiam ser propagandeadas pelo futebol.
O pão de NH, só o descobri porque trabalhei lá. Isso Novo Hamburgo, aqui ao lado. Em Passo Fundo, a 290 quilômetros, provei um filé que foi o melhor da minha vida. Trabalhava na Sulina, ia promover uns livros na UPF. Na hora do almoço, entrei num restaurante próximo à Avenida Brasil. Era um restaurante despretensioso. Entrei, sentei e o garçom estacou ao meu lado. Disse-lhe assim:
– Meu amigo garçom, olha só o que eu quero: quero um filé de quatro dedos de altura, com a superfície levemente crocante e o interior suculento. Quero também batatas fritas corpulentas, do tamanho de um polegar de lenhador, e uma cerveja geladíssima para tirar a poeira da garganta, exatamente como Kit Carson e Tex Willer tomam quando entram num saloon no Arkansas. É possível?
O garçom bateu os tornozelos em assentimento e zuniu para a cozinha. Voltou com aquele filé e aquelas batatas e aquela cerveja. O filé, eu o cortava com a colher, como se fosse purê. A cerveja refrescava-me o estômago e o espírito. As batatas eram macias como coração de mãe, recém colhidas da terra. Já voltei a Passo Fundo dezenas de vezes. Nunca mais encontrei aquele filé, nem consigo identificar qual era o restaurante.
Certas comidas só se experimenta no Interior. Em Livramento existia um doce que era uma homenagem à fronteira com Rivera, o Riveli: Rive de Rivera, Li de Livramento. Será que existe ainda? Empanzinei-me com esse doce, certa feita. Verdade que uma vez não comi o Caldo Lourenciano lá em São Lourenço, mas escrevi sobre.
Disse que o caldo havia me dado medo. Para quê? Os lourencianos, centenas deles, escreveram e ligaram me xingando.
Tentava argumentar, falava que era só um caldo, não um lourenciano vivo e falante. Não adiantava. Os lourencianos, não há dúvida, amam seu caldo, como decerto os santanenses devem amar o Riveli e os hamburguenses o pão com schmier, nata e linguiça.
É por isso que iniciativas como o Gre-Nal de Erechim deveriam ser mais frequentes. Sou pela interiorização do Gauchão. De um Gauchão disputado em uma única região do Interior. Para promovê-la, para ressaltá-la, para mostrar as delícias que o Interior tem.
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