
11 de janeiro de 2009
N° 15845 - PAULO SANT’ANA
Dois últimos prazeres
Como não tenho cultura gastronômica, nunca pude apreciar os pratos estrangeiros. Por isso, tenho devotamento somente pelas cozinhas brasileira e italiana.
Não me seduz a cozinha chinesa, nem a francesa, nem a tailandesa, o único prato estrangeiro que me apetece quase todos os dias é o espaguete, seja ao sugo, seja à carbonara, seja com camarão.
Só que estas frequentes infidelidades minhas à cozinha brasileira, ingressando periodicamente no mundo do macarrão, talvez por culpa, me fazem ter uma estranha preferência: gosto de comer massa com feijão, nunca tolerei massa com arroz, mas massa com feijão saboreio quase todos os dias.
O que eu gosto mesmo é de pirão. Dou a vida por um pirão. E se for com peixe ensopado, que os restaurantes teimam em não possuir nos seus cardápios, fazendo-me morrer de saudade dos bagres ensopados que comia durante a minha adolescência, como eu dizia, se me servirem em algum lugar peixe ensopado com pirão, sou capaz de virar escravo de quem me ofertar este prato.
E não há melhor pirão que aquele que acompanha o camarão à baiana. Se o pirão já não vier misturado com o molho de tomate do camarão, eu o misturo no prato, eis-me diante da maior de todas as delícias.
O que eu gosto mesmo é de churrasco e de feijoada. Esses dias eu estava matutando: será que eu gosto de churrasco e de feijoada por serem comidas saborosas ou por serem duas comidas que não se pode comer sozinho e a companhia de outras pessoas à mesa é que me atrai?
Nunca como churrasco sozinho. E raramente como churrasco com somente outra pessoa em minha companhia. O mesmo com a feijoada.
Churrasco e feijoada são pratos grupais, é imprescindível que sejam comidos com bastante pessoas à mesa, deixam de ser uma delícia se forem comidos com a gente sozinho ou com apenas outra pessoa de companheira.
Churrasco e feijoada são pratos gregários, coletivos, se prestam para uma certa cerimônia, um ritual, que exige muitas pessoas em volta.
Não há sabor nenhum no churrasco ou na feijoada se não houver um alarido na volta da mesa. Tem que ser uma festa.
Churrasco e feijoada, para mim, são refeições que duram várias horas, tem de ter muita conversa e se possível cantorias em torno deles.
Churrasco e feijoada, nunca vi serem comidos por uma só pessoa.
O que eu gosto mesmo é de guisadinho com batata, molhadinho. Ponho o arroz no prato, derramo sobre ele o guisadinho com batata, e me perdoem, amasso os nacos de batata, é assim que gosto de comer este prato.
O que eu gosto mesmo é de polenta, seja fina, seja grossa. E gosto mais ainda de polenta mole.
E como de joelhos um aipim quando ele é macio. Aipim com feijão, aipim com couve, aipim com carne assada. Acima de tudo aipim com feijão.
Tem outra coisa que eu gosto, certamente todas as coisas que gosto foram herdadas da minha infância: quibebe.
Quibebe com arroz e feijão é claro. Que coisa gostosa!
E não passam daí as minhas preferências culinárias. Ah, ia me esquecendo de uma das maiores gostosuras: tudo que for feito à milanesa. Desde o filé bovino, passando pela galinha à milanesa. Vocês já comeram galinha à milanesa? Quando bem feita é dos deuses.
E há uma outra coisa que gosto que me enrosco de comer à milanesa: couve-flor. Meninos, não lhes conto: couve-flor à milanesa é um desses pratos inesquecíveis.
E se hoje me deu de falar em comida é porque a vida foi me tirando aos poucos todos os prazeres, desde o maior deles, que era mergulhar em água de mar quente. Por causa de uma doença crônica que tenho nos ouvidos, não posso mais.
Se eu for mergulhar ou até mesmo banhar os meus cabelos no chuveiro, é certo, me garantem os otorrinos, ficarei surdo.
Então foram me tirando todos os prazeres e dos 17 que eu tinha, só me restaram os últimos dois: a mesa e o cigarro.
E como não é certo que eu elogie o cigarro publicamente, então fiz esta coluna inteira cantando as comidas que me apetecem.
O cigarro, de um jeito ou outro, vão me fazer largar. Peço só a Deus que nunca me afaste das comidas.
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