domingo, 11 de janeiro de 2009



11 de janeiro de 2009
N° 15845 - MOACYR SCLIAR


Dialogando com os ladrões de carro

Uma vez, em Chicago, passei por um velho e dilapidado carro. Um pequeno cartaz, grudado no vidro pelo lado de dentro, chamou-me atenção. Dizia mais ou menos o seguinte: “Senhor ladrão, é inútil arrombar este veículo. Tudo o que podia ser roubado já foi roubado”.

Esse diálogo com a transgressão, sobretudo numa cidade lendária pela violência das gangues, é, convenhamos, original. É claro que avisos semelhantes são encontrados em veículos e em locais aqui no Brasil, advertindo, por exemplo, que o cofre é boca-de-lobo (não sei que cofre é este, mas deve ser muito mais complicado para os ladrões do que o cofre boca-de-cordeiro). Mas o curioso no carro de Chicago era o tom informal, quase amistoso, ou pelo menos resignado.

Esse diálogo, contudo, só é possível com um tipo de ladrão, o artista do roubo – o hábil batedor de carteiras, por exemplo. É inútil, e até perigoso, dizer alguma coisa engraçada para o cara que está armado e que vai atirar por qualquer coisa. Um risco real, já que o assaltante violento é uma categoria que está em rápido crescimento. Mas felizmente ainda existem ladrões do modelo antigo.

Uma noite dessas, meu carro, um Gol, foi visitado por ladrões. Trabalho de profissional competente. O alarme estava ligado, então o que fizeram eles? Através de uma grade de refrigeração que existe sobre o motor, introduziram um arame ou algo parecido e, com precisão cirúrgica, pescaram o cabo da bateria, cortaram-no e pronto, lá se foi o alarme.

Entraram no veículo sem danificá-lo e roubaram duas coisas que, segundo me disse o rapaz do socorro do Banco do Brasil, são as habituais: o rádio e o estepe. Mais nada. Havia ali um guarda-chuva, verdade que barato, mas eles o deixaram, talvez porque o tempo estava bom ou talvez porque sejam adeptos do “quem sai na chuva é para se molhar”. Ah, sim, e aquelas moedas que a gente usa para dar para os pedintes nas sinaleiras também ficaram. Os ladrões claramente eram adeptos da distribuição de renda.

Um incidente desse tipo pode ser evitado no futuro, e tomei medidas para isso: cobri a bateria e os cabos com um plástico rígido, à prova de qualquer intrometido arame. E a partir daí passei a ter um imaginário diálogo com os ladrões.

No qual eles se mostram indignados: “Isso é um desaforo, cara. Cobrir a bateria com um plástico, onde é que já se viu? Se nem a fábrica fez isso, por que é que tu tinhas de fazer? Só para atrapalhar nosso trabalho”?

É, amigos. Confesso, constrangido, que fiz isso para atrapalhar vocês. Claro, eu poderia alegar que preciso ouvir rádio, ficar em dia com o que acontece no mundo, sobretudo nessa época de crise; mas não posso negar que a decepção de vocês me alegraria.

Por que, não sei. Deve ser uma espécie de perversão. Da qual o dono do carro de Chicago estava livre.

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