
09 de janeiro de 2009
N° 15843 - DAVID COIMBRA
Razões para morrer
Luc Ferry diz que o homem ocidental não vive, não morre e não mata mais pelo que já viveu, morreu e matou. É filósofo, Luc Ferry, e já foi ministro da Educação da França. Até esteve entre nós, durante o primeiro e mais bem-sucedido seminário Fronteiras do Pensamento, em 2007.
Segundo Luc Ferry, o homem do Ocidente viveu, morreu e matou pela religião, pela pátria e pelo idealismo. Agora não mais. Agora, o eixo das motivações do Ocidente é outro.
São os filhos. Pelos filhos, o ocidental vive, mata e morre.
Talvez seja a prova de que o homem contemporâneo é muito mais superficial e individualista do que jamais foi em toda a história da Civilização. Compreensível. Afinal, o capitalismo e a democracia, moldes do Ocidente, só vicejam se regados pelo individualismo, e a democracia é mesmo o governo do superficial e do medíocre.
Mas é provável, também, que o homem ocidental tenha se desiludido com suas antigas motivações. A religião, a mais antiga delas, é também a mais arraigada. Por ser impalpável e ameaçadora – o incréu tem sempre pendendo sobre a sua cabeça a espada da vingança de Deus só porque ele duvida de Deus.
O problema é que as religiões não vêm se mostrando eficientes nestes séculos todos. Nenhuma delas garante proteção total aos fiéis contra intempéries, micróbios em geral ou, o pior, a maldade humana. Mesmo que o fiel seja um modelo de crente, um modelo de comportamento.
Aquele menino que morreu arrastado por um carro no Rio, por exemplo, por que as entidades divinas permitiram seu suplício? Ele não devia ter culpa no coração. Ah, aí o religioso alega que existe o livre arbítrio. Não sei o que seria das religiões se não houvesse o livre arbítrio para absolvê-las.
Da mesma forma, as ideologias. A mais generosa delas, o comunismo, não funcionou em lugar algum quando implantada. Ao contrário, transformou seus ideólogos em monstros sanguinários, genocidas frios.
A pátria é ainda mais frágil. A América é a prova geográfica de que pátria não existe. Pois os colonos que vieram da Europa, da África e da Ásia, o que eles são? Filhos de japoneses, italianos, alemães e congoleses, não são também brasileiros, mexicanos, americanos? Por que alguém que nasce no Paraguai é melhor do que alguém que nasce na Bolívia?
Não. Pátria, ideologia e religião falharam como razões da existência.
Mas aí, no fim da primeira década do século 21, o mundo assiste à guerra na Faixa de Gaza, uma guerra motivada, exatamente, por noções de pátria, por ideologia e por religião.
Pode-se empregar todo tipo de argumento numa guerra como esta, a favor e contra os dois lados. Ambos têm suas razões. E não têm nenhuma. Só o que não pode é acontecer o que tem acontecido. Vi uma cena desta guerra. Uma foto de jornal. Uma mãe ao lado do filho que teve as duas pernas amputadas pela explosão de uma bomba.
Que religião, que pátria, que ideologia valem a dor dessa mãe? Viver pelos filhos, realmente, talvez não seja o mais nobre para o espírito humano. Talvez não seja o mais elevado. Talvez não seja nem mesmo o mais belo. Mas, de tudo pelo que já se viveu, morreu e matou, é o mais civilizado e muito, muito mais humano.
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