quarta-feira, 7 de janeiro de 2009



07 de janeiro de 2009
N° 15841 - DAVID COIMBRA


A estranha vida praiana

Avida praiana não é tão fácil quanto parece. Já foi pior, verdade. Houve tempo em que não existia protetor solar, sabia? Ou não havia por aqui. Ou lá no IAPI não tínhamos notícia da descoberta desse milagre da ciência. Então, eu, um branquicela notório, sofria medonhamente com a vida praiana.

O problema é que sempre quis viver a vida praiana. Era guri e via aqueles comerciais da Imcosul. Sol, sal, sul, Imcosul. Ondas espumavam em todos os programas de TV. O jornal. Pegava o jornal e a cobertura de praia era uma festa.

As mulheres de biquíni, o campeonato praiano, o Carlos Nobre escrevia direto de Tramandaí. Dava vontade de ir à praia. Era lá que as coisas aconteciam. Lá é que as pessoas estavam vivendo, entre camarões fritos e caipirinhas. Só que nós não tínhamos verba para ir à Orla, permanecíamos aqui, na modorra, na canícula.

O pai da Alice tinha. A Alice era a minha namorada, uma morena que usava shortinho branco. Era legal aquele shortinho branco da Alice. Bem curto e apertado e tudo mais. Pois o pai dela era dono de um Fusca verde. Ainda mora lá no IAPI, o pai da Alice. Nos verões, ele pegava a Alice e a mãe da Alice e o Beto Zúqui, irmão da Alice, que era bom meia-direita, ele pegava todo mundo e botava naquele Fusca verde e ia para a praia. Imbituba.

Eu ficava aqui. Eu e os guris que não iam à praia. Curioso: nenhum guri ia à praia; só as gurias. Os guris que iam à praia eram os dos outros bairros. Os da Sogipa. Do Juvenil. Malditos.

Quando a Alice voltava, bronzeada e sorridente, ela contava sobre o que havia feito na praia. Ai, como amo Imbituba, miava. Ai, que saudade de Imbituba. Me dava uma raiva de Imbituba. Um verão ela voltou falando de um certo Éder. Aí eu e o Éder fomos pegar jacarezinho, aí o Éder me falou que da areia do mar se faz o vidro das janelas. O Éder, o Éder, o Éder. Somos só amigos, ela alegava.

Amigos. Sei.

Por tudo isso, por causa do Carlos Nobre em Tramandaí, dos comerciais da Imcosul e da Alice, queria viver a vida praiana. Quando ficamos mais taludos, eu e os guris demos um jeito nisso. Íamos para a Orla de carona. Antes era possível isso, viajar de carona. Ponto para as velhas gerações. Hoje, carona é um perigo. Para quem pega e para quem dá. Na época, que nada. Pendurávamos as mochilas nas costas e tocávamos para a Friuei.

Vinte, 30 guris. Claro, ninguém dá carona para 20. Tínhamos de nos dividir aos pares. Lá ficávamos nós, dedão em riste. Um carro parava. Outro. Mais outro. Em duas horas, todo mundo ia. A volta, por algum motivo, era mais difícil. Uma vez, eu e o Chico Trago só conseguimos carona num DKW Vemaguete de um vendedor de churrasquinho.

O DKW estava cheio de panelas e sacos de farinha e troços de fazer churrasquinho. Eu o Chico e mais o vendedor de churrasquinho tivemos de nos acomodar no banco da frente. O DKW andava a 60 por hora e tinha um buraco no assoalho. Por Deus. O vento que vinha da estrada queimava o pé da gente. Brabeza.

O fato é que era difícil pegar carona na volta. Mesmo assim, nós íamos e retornávamos de carona todos os fins de semana do verão. Chegando lá, corríamos para a arelha da pralha, que alegria.

Passávamos o dia jogando bola e rondando as gurias e bebendo cerveja. De noite, eu estava todo vermelho, meus ombros e meu nariz ardiam, não entendia como é que os outros não se queimavam e eu sim.

Até que arrumei uma namorada. Não a Alice. Outra. Edna. Fomos juntos para a praia. Para um camping em Araranguá. Ela disse que ia cuidar de mim para que não me queimasse. Sabe o que a mina fez? Me untou com Óleo Johnson. Óleo Johnson, cara! Fritou-me, a Edna.

A vida praiana era dura sem o protetor solar. E por outros motivos, alguns deles futebolísticos, dos quais falarei amanhã, na segunda parte da coluna sobre a estranha vida praiana.

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