sexta-feira, 2 de janeiro de 2009



02 de janeiro de 2009
N° 15836 - PAULO SANT’ANA | ALEXANDRE BACH (interino)


Em nome da paixão

Há quase uma tragédia shakespeariana na defesa que fazem parte de meus colegas que atuam na área esportiva e alguns cartolas: em nome da paixão futebolística, vale tudo na área financeira dos clubes.

Vale, inclusive, fazer vistas grossas para deslizes cometidos pelas administrações em relação às leis, rigorosas com empresas e contribuintes, mas cheia de benesses para os cofres dos clubes. Assim, não pagam os impostos em dia ou em prazo qualquer.

Exigem que o Estado gaste com um evento particular (que é uma partida de futebol), colocando a Brigada Militar para conter os ânimos de sócios baderneiros que insistem em manter em seus quadros, mas não querem pagar por isso. Querem serviço privado sem custo algum.

Tudo em nome de paixões.

Quando a situação do tesoureiro fica insustentável, o clube beira a falência, negocia-se um Refis, parcelam-se as dívidas a perder de vista. Tempos depois, o Refis também não é pago. Dane-se o que foi assinado.

Enquanto isso, como se vivessem num mundo onde o dinheiro brota dos gramados direto para os cofres, os dirigentes se mexem a fazer novas contratações, novos investimentos, sob o argumento de que o estádio lota pelo futebol e não pelo balanço financeiro em dia.

Tudo em nome de paixões.

A participação da sociedade neste drama termina aqui. Quando o clube negocia um jogador, aí ninguém mais quer socializar os resultados, neste caso bem positivos, medido em milhões de euros ou dólares. A venda de um atleta para o Exterior é sempre misteriosa, existe um manto de silêncio envolvendo a negociação: os números nunca são anunciados oficialmente pelos dirigentes, os valores não aparecem em balanços, ninguém sabe publicamente quanto entrou nos cofres dos clubes.

À imprensa, cabe apenas especular, com informações extraoficiais, o quanto rendeu uma ou outra transação. O jogador vai, tem despedida no aeroporto, jogo de estreia no novo time. Mas o quanto de dinheiro chegou é um mistério guardado a sete chaves por poucos.

Tudo em nome de paixões.

No meio desse ambiente de clubes que não pagam o serviço privado, não pagam as contas, não pagam as dívidas, não pagam o que renegociam e ainda ganham áreas públicas da cidade para aumentar sua estrutura, rondam empresários, levando jogadores de um lado para outro, pressionando por negociações, ignorando por completo o sonho da torcida de ver um atleta defendendo suas cores (empresário de futebol movido por paixão?

Esqueçam) e aproveitando para tirar sua beira na forma de polpudas comissões, muitas vezes na casa dos milhões.

Num ambiente onde existem mais zonas escuras do que claras, vendem, compram, embolsam o seu, privatizam a paixão e deixam as dívidas com o clube, que a repassa à sociedade. Ao nosso bolso. Ou o leitor acha que ninguém vai pagar o Refis que foi renegociado, mas não quitado?

Tudo em nome de paixões.

Só que paixão que privatiza o lucro e socializa o prejuízo não me serve. Paixão, para ficarmos com Shakespeare, só a de Romeu e Julieta: ou se vive o amor em sua plenitude ou se morre por ele. Mas sempre juntos.

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