Além da aparência
A verdade verdadeira é que ainda nos guiamos muito pelas aparências. Aquela moça da farmácia que sugeriu aos colegas contratar pessoas bonitas não estava tentando inventar a roda. Estava, infelizmente, apenas reproduzindo um pensamento dominante na nossa sociedade: entre o belo e o feio, nosso cérebro, condicionado por séculos de padronização e preconceitos, tende a seguir a indicação do primeiro olhar. A beleza interior - o essencial, na visão de Saint-Exupéry - é invisível para os olhos.
No Brasil, a expressão "boa aparência" foi banida dos anúncios de emprego e dos processos formais de recrutamento de pessoal pela legislação. Difícil é tirar da cabeça das pessoas a ideia preconcebida de que o bonito está associado ao bom, ao desejável e ao confiável, enquanto seu oposto é rejeitável - talvez com exceção destes dias de Halloween, em que monstrinhos e bruxinhas se sentem autorizados a botar as manguinhas de fora.
Estou lendo História da Beleza, um livro organizado pelo italiano Umberto Eco e ilustrado por obras-primas da arte em todos os tempos. O propósito do ensaio, exposto na sua introdução, é exatamente demonstrar que o conceito do belo varia de acordo com a época e a cultura. Vale, segundo o autor, para a beleza física de homens e mulheres, mas também para ideias, comportamentos e expressões artísticas. Nem tudo é relativo, porém. (E nem Einstein disse isso referindo-se ao relativismo moral e cultural usados para justificar atrocidades.) Há padrões universais aceitos por todos os povos em todas as épocas - tanto de beleza quanto de humanidade.
Quem ama o feio, bonito lhe parece é o provérbio popular que resume bem o caminho virtuoso entre os olhos e o coração. Ainda que o Barão de Itararé tenha feito gracinha com a frase ("Quem ama o feio é porque o bonito não aparece", brincou), nosso aperfeiçoamento como seres humanos exige este esforço constante de irmos além do visual, de buscarmos no outro o conteúdo que a embalagem nem sempre mostra. Resumo da ópera: menos aparência e mais essência.
Em outras palavras: menos redes sociais e mais Feira do Livro, que está em plena atividade no centro da Capital. Bom proveito.
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