quarta-feira, 7 de julho de 2021


06 DE JULHO DE 2021
NÍLSON SOUZA

Terceira dose

Às vezes penso que somos mesmo um país de Dicks Vigaristas, se me permitem pluralizar aquele personagem trapaceiro do desenho animado.

Quando começou a corrida pela vacina, já em muito causada pela falta de humanidade dos negacionistas da imunidade, logo surgiram os fura-filas. Apareceu de tudo, da falsificação de identidade ao apadrinhamento por autoridades interessadas em proteger parentes e amigos.

Registraram-se, também, alguns casos do que se poderia chamar de vigarice hedionda - vacinadores que aplicavam vento no braço de idosos, supostamente para lucrar com o precioso líquido ou para destiná-lo a outras pessoas do seu círculo. Nesse festival de fraudes e espertezas, um dos episódios mais rumorosos foi aquele da falsa enfermeira de Belo Horizonte que aplicou soro fisiológico nos familiares e amigos de um empresário do ramo de transportes. O homem comprou gato por lebre, pagou caro e ainda ficou com o rótulo de otário.

Pois agora que a vacinação se encaminha para uma certa normalidade, inclusive com um ministro da Saúde comprometido com a ciência, começam a aparecer os espertalhões da terceira dose - pessoas que fraudam o controle do SUS para receber uma vacina que julgam mais eficiente, mesmo tendo completado as duas doses de outra marca. Ô gente egoísta! Como leigo, até admito que uma vacina pode ser melhor do que outra, mas as pessoas têm que ter direitos iguais. Ao entrar na fila novamente já estando imunizado, o Dick Vigarista está tirando o lugar de alguém que deveria receber aquela dose num momento em que ainda não existe imunização para todos.

Outro dia uma criatura dessas fez a maracutaia e ainda foi se exibir nas redes sociais, como se tivesse logrado o Sistema Único de Saúde. Denunciou-se. O Ministério Público já está cuidando dela. Em algum lugar do nosso inconsciente coletivo, o Muttley deve estar rindo.

A vida não é um desenho animado, mas, ainda assim, prefiro pensar que os trapaceiros sempre acabarão "dando com os burros n?água", como se dizia muito antigamente. Além disso, nem é preciso ser demasiado otimista para se constatar que, para cada Dick Vigarista, temos centenas, talvez milhares ou milhões, de outros brasileiros e brasileiras honestos, que competem lealmente e aguardam sua vez na fila da esperança.

Nenhum comentário: