sábado, 3 de julho de 2021


03 DE JULHO DE 2021
MARSHALL

OS HIPÓCRITAS

Hypokrités junta o prefixo hypó (sob) com o substantivo krités (o que julga ou avalia) para formar a palavra que designava, na Grécia clássica, o ator, e, por vezes, o orador, que entrega orações; metaforicamente, poderia referir quem dissimula. Em Atenas, os atores se apresentavam em concursos, onde eram julgados por juízes, o que pode ter levado à formação de uma palavra nova para uma nova profissão, atores em tragédias e comédias, algo que surge ao final do século VI e se desenvolve ao longo do século V a.C.. Nem precisamos levantar interrogações para entender para onde essa palavra nos leva, no encontro entre semântica e história, significados passados e presentes nada dadivosos.

É, todavia, injusto associarmos atores (e atrizes) ao cacoete da hipocrisia. Ao contrário, o teatro serve-se da representação (mimese) para analisar de modo inteligente, com imagens, falas e ações, o mundo em que vivemos, a condição humana, nossas encruzilhadas, opções e atitudes, e é, por isso mesmo, muito ético e bastante político, em sua origem grega e ao longo dos tempos. Ao contrário do que sugere a etimologia, precisamos de mais atores para combater a persistente e ora predominante hipocrisia. E precisamos que os hipócritas atuais se vejam em cena ou nas telas, investigados e desnudados, para que se perceba o imenso ridículo de suas ações, e para bem examinarmos a textura de farsas com que se forjam as falsidades do poder.

Os campeões da hipocrisia já ganharam o palco que merecem, manifestoches na Marquês do Sapucaí (2018). Mas onde estão, agora que o ex-juiz manipulador foi desmascarado, e passa merecida vergonha no Brasil e no Exterior? Como se olham no espelho, agora que o pretenso mito evidenciou-se não apenas como responsável pela maior catástrofe da história nacional, mas, ademais, preside a mais sórdida corrupção de que se tem notícia, em que se negocia a vida humana por US$ 1? Há ainda, e sempre haverá, muita farsa por desabar. Sobretudo, queremos saber: que tramas impuras mantêm no governo um malfeitor que há muito deveria estar deposto e preso? Que serão, senão hipócritas, as autoridades que prevaricam, e se omitem enquanto tombamos aos milhares, de Norte a Sul, por força da ignorância maligna de um líder insensato e odioso?

No canto 23 do Inferno, Dante põe-se com Virgílio diante de demônios e gentes hipócritas, que trajam "manto eterno, fatigante e rico", "chumbo dentro, ouro fora". Na via obscura, aparecem-lhe "frades Gaudentes", famosos por vestirem-se com fausto, procedentes de Bologna, onde já ouviram "os vícios decantar dos renegados/ impostores e maus, pais da mentira". As palavras dos hipócritas amam ornar-se com o nome deus e versículos bíblicos; não são religiosos, nem têm qualquer moralidade, são apenas oportunistas que se servem de farsas para camuflar sua ignorância e malícia, e saciar ambições iníquas, enquanto saqueiam e destroem a pátria.

O teatro e certas palavras são bons antídotos, mas urgem ações verdadeiras, pois estamos cansados de tanta hipocrisia, de tanto mal. E queremos que o Brasil renasça feliz e livre.

FRANCISCO MARSHALL

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