sexta-feira, 5 de março de 2021


05 DE MARÇO DE 2021
DIÁRIOS DO MUNDO

O Brasil da covid-19 ameaça o mundo

O descontrole da pandemia no Brasil é o golpe de misericórdia na imagem do país, já deteriorada, na arena internacional, pela diplomacia errática que contraria as tradições da Casa Rio Branco, pelos incêndios na Amazônia, e pela postura negacionista do presidente Jair Bolsonaro demonstrada em momentos anteriores de pico da covid-19.

Enquanto nações da Europa começam a sair do lockdown, à medida que a vacinação avança, e os Estados Unidos reabrem a economia, também graças à evolução da imunização, o Brasil vê a curva em ascensão de infecções e mortes e, como um avião desgovernado, mergulha no atoleiro das incertezas.

Nesses dois anos em que o Brasil foi se isolando do mundo em parte graças a uma fidelidade automática à Casa Branca de Donald Trump, o país comprou briga com parceiros de negócio e aliados históricos, colocando em risco relações comerciais com países islâmicos e com a China e elevando a ideologia acima dos interesses nacionais.

O olhar assombrado do mundo para o Brasil não é de hoje. Na história recente, começou com aquela que foi uma das mais emblemáticas capas da revista The Economist, em que o Cristo Redentor aparecia como um foguete em queda livre ("O Brasil estragou tudo?" era a manchete). Apesar de o impeachment de Dilma Rousseff ainda não estar no radar àquela altura, a Economist já via sinais de perigo no Brasil, citando as manifestações contra o governo e os escândalos da Lava-Jato. A imagem era uma referência a outra capa, de 2009, em que o monumento icônico fora transformado em uma nave em ascensão ("Brasil decola" era o título).

No auge dos incêndios na Amazônia, assunto mais imagético como notícia do que os sinais de decadência política e econômica, o retrato do país voltou a se deteriorar. O fogo na floresta estampou as capas de dezenas de jornais e portais internacionais. Reativo como de costume, Bolsonaro atacou a imprensa e ONGs, culpou o "globalismo", apelou ao nacionalismo com cheiro de mofo da época da ditadura - "A Amazônia é nossa" - para acusar líderes internacionais de tentativa de ingerência interna. Como argumento não é sua especialidade, o presidente apelou para xingamentos pessoais e sexismo, como contra a primeira-dama da França, Brigitte, esposa do presidente Emmanuel Macron.

O descalabro brasileiro diante do coronavírus já havia se tornado notícia internacional em 2020, por conta da demissão de dois ministros da Saúde no auge da primeira onda e enquanto corpos eram depositados em valas em Manaus. Agora, seria apenas mais um grave e repetido drama interno, a ser observado e lamentado de longe pelos governos mundo afora.

Mas não é só isso. Hoje, o Brasil coloca em risco todos os esforços que outros países fizeram até agora, nesse quase um ano de pandemia - a ser lembrado daqui a sete dias, em 11 de março, quando, 365 dias antes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou crise global.

O Brasil é um risco ao planeta porque a transmissão descontrolada do coronavírus pode fazer o país celeiro de variantes - que não só podem comprometer a eficiência da vacina (algo ainda em estudo) como ultrapassar fronteiras, voltar a contaminar populações, obrigar a novos lockdowns, colocando em novos riscos as economias - em círculo vicioso.

Problemas como uma crise sanitária ou uma floresta que arde e polui transcendem os recortes territoriais que os políticos um dia passaram a chamar de fronteiras. A Amazônia é um assunto do Brasil e do mundo. O vírus descontrolado por aqui e suas mutações, como atestam cientistas em dois dos mais influentes jornais do mundo, The New York Times e The Guardian, é problema nosso, mas transborda para o planeta.

RODRIGO LOPES

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