quarta-feira, 8 de outubro de 2025


Esperança na racionalidade

A conversa por telefone entre Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva, na segunda-feira, realimenta a expectativa de continuidade do processo de reorganização das relações entre EUA e Brasil. O Rio Grande do Sul tem particular interesse no distensionamento diplomático pela forma como as sobretaxas norte-americanas impactam a pauta de exportações do Estado. O contato aconteceu 13 dias após Trump, na Assembleia Geral da ONU, revelar um rápido encontro entre os dois nos bastidores do evento. Segundo o próprio republicano, ele e Lula tiveram uma "química excelente".

O tema central do diálogo de segunda-feira teria sido economia e comércio. Como parece existir determinação de Brasília e de Washington para a evolução das tratativas, é possível ter esperanças de que os EUA reduzam a tarifação de 50% sobre uma série de produtos brasileiros ou ampliem a lista de exceções que já beneficiou vários bens vendidos para o mercado norte-americano. Como se sabe, a maior parte do que o Brasil comercializa para os EUA acabou sendo retirada da taxação de 50%, mas o RS não teve a mesma sorte.

Os números do comércio exterior de setembro, segundo mês das sobretaxas, são ilustrativos. As vendas gaúchas para os EUA despencaram 51,5% ante o mesmo mês do ano passado. No caso brasileiro, a redução foi de 20,3%. Mas as exportações nacionais para a totalidade dos países cresceram 7,2%, enquanto as do Estado tiveram um leve recuo.

Confirma-se, portanto, que a economia gaúcha sente mais as barreiras da Casa Branca. Os EUA, no primeiro semestre, foram o terceiro principal destino das exportações do Estado, superados só pela China e a União Europeia. Mas inúmeros setores e indústrias, em especial os que produzem bens de maior valor agregado, têm grande dependência dos EUA. Dessa forma, traz alento a promessa de prosseguimento de um diálogo produtivo e racional, livre de ranços políticos, capaz de restabelecer o fluxo normal de comércio. O fato é que, para a economia dos dois países, o tarifaço traz efeitos ruins.

Para o Brasil, a aproximação pessoal entre Trump e Lula também traz benefícios geopolíticos e estratégicos e minimiza o risco de um alinhamento que não condiz com a tradição das relações exteriores do país. Pouco importa se existiu de fato uma simpatia mútua entre os presidentes ou se tudo não passou de uma encenação após um trabalho árduo do setor privado e da diplomacia profissional das duas nações para reconstruir pontes e consertar estragos causados por motivações ideológicas.

O simples fato de os dois presidentes concordarem em conversar de forma civilizada contribui para dissipar o pior momento dos dois séculos de convivência entre Brasil e EUA. Ajuda para o retorno da normalidade, no sentido de que as relações têm de ser independentes da visão de mundo dos mandatários de ocasião. Evita a possibilidade de um distanciamento com os Estados Unidos significar uma aproximação talvez demasiada com a China, o outro polo da disputa geopolítica global. Cabe ao Brasil preservar a sua postura histórica de não alinhamento automático e de cultivo de vínculos com múltiplos atores, extraindo benefícios de todos os lados e aferrado apenas aos interesses do país. 

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