segunda-feira, 13 de outubro de 2025


13 de Outubro de 2025
CLÁUDIA LAITANO

O destino de Ofélia

Para uma personagem secundária cujo destino trágico nem chega a alterar muito o desfecho da história que Shakespeare estava contando, Ofélia é um fenômeno de popularidade.

A pouca atenção que a personagem recebeu de Hamlet (ocupado com as próprias neuras, o príncipe da Dinamarca agia como um perfeito boy lixo com a namorada) foi fartamente compensada por uma longa posteridade como musa e ícone pop. São tantas as músicas inspiradas nela que daria para montar uma playlist. Tantas as pinturas que não faltariam obras para uma exposição temática. Em um filme recente, Ophelia (2018), toda a história de Hamlet é recontada desde o seu ponto de vista. Spoiler: não funciona.

Ainda que frágil, ou exatamente porque frágil e obediente, Ofélia sempre foi retratada como um objeto de desejo. (A certa altura da peça, Hamlet sugere que ela vá para o "convento", termo que, na época, era também uma gíria para bordel.) A representação mais famosa da personagem coube ao pintor pré-rafaelita John Everett Millais (1829-1896): uma Ofélia de fartos cabelos vermelhos, coberta de flores, estendida sobre as águas em que se afogou como se fosse a noiva de um casamento que nunca houve. É essa Ofélia etérea, mas plena de sensualidade e fascínio, que Taylor Swift usa como referência para a capa do seu último disco, The Life of a Showgirl, lançado há duas semanas.

A personagem serve de inspiração também para a canção The Fate of Ophelia (o destino de Ofélia), em que Taylor sugere que o namorado, o jogador de futebol americano Travis Kelce, a salvou do destino da heroína que enlouquece e/ou morre precocemente. Como tudo o que tem a marca Taylor Swift, os números relacionados ao novo lançamento são épicos: na última quinta-feira,o Spotify anunciou que The Fate of Ophelia foi a música mais baixada em uma única semana da história da plataforma.

Ao contrário do que a canção sugere, a personagem de Shakespeare não perde a razão por falta de príncipe encantado, mas por ter sido traída pelos homens em quem confiava - pai, irmão e namorado não parecem levar muito a sério o que ela sente ou pensa. Incapaz de fazer valer a própria vontade, Ofélia acabou se tornando uma espécie de símbolo da submissão feminina em sua versão mais trágica.

É romântico que uma das mulheres mais poderosas do mundo neste primeiro quartel do século 21 veja o atual namorado como um príncipe que a resgatou da legião de sapos com quem havia se relacionado até então. Mas, apesar do título da música e da capa do disco, Taylor Swift sabe muito bem que nada está mais distante dela do que o triste destino de uma Ofélia. _

CLÁUDIA LAITANO

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