
Meu aniversário hoje
Gostava tanto de aniversário que não
gostava. Sofria com a expectativa. Torturava-me com a ideia de não ser
lembrado, de não ser cumprimentado, de não ganhar presentes.
Após o trauma de uma festa na
infância à qual nenhum colega da escola compareceu - os doces e salgados se
mantiveram intocados na mesa, os balões presos no teto -, estreei precocemente
a redução de danos e a gestão de crise na minha vida: sugeri à minha mãe que congelasse
a torta para o ano seguinte.
O veneno da rejeição se infiltrou em
meu sangue, sem que eu conseguisse preparar antídoto em tempo hábil. Criei um
pavor de trocar de idade. Temia esse dia de extrema vulnerabilidade, em que eu
poderia ser atingido pelo bullying, em que meu sorriso poderia logo desandar em
choro pelo desprezo ou pela indiferença.
Procurava esconder a data, como um
segredo que odeia a possibilidade de virar fofoca. Omitia minha certidão de
nascimento. Nem conversava sobre horóscopo, para não desembocar na pergunta
fatal.
Meu inferno astral não acabava no
aniversário, começava nele.
Passei a dizer que não fazia questão
de comemorar, a evitar algazarras, a ocupar-me com um expediente regular de
trabalho, com uma agenda de atividades cotidianas. Na verdade, esperava que a
meia-noite chegasse para normalizar o batimento cardíaco.
Dispensava visitas, espantava
surpresas, corria das brigadas cantantes de garçons em restaurantes. Não
desejava sair de casa, e também não me apetecia ficar trancafiado nela,
encurralado e passivo aos arrebatamentos familiares.
Desafinava o coro das alegrias
fundamentais. Entendia o aniversário como um réveillon particular. E me sentia
um cachorro fugindo dos fogos de artifício. Meus ouvidos doíam enquanto as
demais pessoas celebravam.
Fingia pouco caso. Eu não me amava e
cobrava que os outros me amassem no meu lugar. A carência é pedir emprestado o
que você já tem. Não conheço carência que não seja agressiva: você exige de
alguém o que acha que nunca recebeu antes. É uma dívida acumulada impossível de
pagar pelos juros abusivos, já que busca uma redenção despropositada e fora de
contexto. Não bastava um aniversário bom: precisava representar uma apoteose
capaz de compensar, com um único e cegante clarão, as velas que não foram
sopradas. Nada satisfaria as especulações irreais.
A terapia ajudou-me a admitir que não
há como controlar as opiniões alheias. A unanimidade é inviável. Ninguém é
obrigado a ir com a sua cara. Você descobrirá uma saudável alternância:
momentos inspirados e menos inspirados, sorte e azar, casualidades, mas jamais
algo que dê para classificar de maldição.
Hoje eu me envaideço de existir.
Aviso a todos que estou de aniversário. Espalho a notícia. Que cada um reaja do
jeito que quiser, com a intensidade que quiser. Só o afeto me afeta. Não é
porque aguardo o melhor que não saberei lidar com o pior. Finalmente encontrei
a reciprocidade comigo mesmo.
Feliz aniversário, Fabrício! = CARPINEJAR
O reencontro com o próprio aniversário
Durante muito tempo, temi o calendário. Temia
aquele dia que me expunha à lembrança de que o mundo podia seguir indiferente,
mesmo quando eu esperava um aceno, um parabéns, um gesto qualquer que
confirmasse minha existência. Aprendi cedo que o silêncio dói mais que o
esquecimento, e que a mesa cheia não vale sem presença.
Passei, então, a disfarçar a data. Dizia que não me
importava, que era só mais um dia. Mas dentro, o coração fazia contagem
regressiva - não de esperança, mas de cautela. Era como caminhar por um campo
minado de emoções: bastava um esquecimento para tudo explodir.
O tempo, esse mestre paciente, ensinou-me que o
aniversário não é sobre ser lembrado - é sobre lembrar-se. Lembrar-se do quanto
já se sobreviveu, das versões de si que precisaram morrer para que outras
pudessem nascer. Lembrar-se de que o amor próprio é a primeira vela que precisa
ser acesa, antes de soprar qualquer outra.
Hoje, celebro diferente. Não espero multidões nem presentes, apenas presença - a minha, inteira, reconciliada. Comemoro o simples fato de estar aqui, ainda curioso, ainda tentando, ainda sentindo. Porque crescer é isso: deixar de querer aplausos e começar a querer verdade. E no fim, o que resta - e o que basta - é isso mesmo: um coração que aprendeu a gostar de existir.
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