quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Meu aniversário hoje

Gostava tanto de aniversário que não gostava. Sofria com a expectativa. Torturava-me com a ideia de não ser lembrado, de não ser cumprimentado, de não ganhar presentes.

Após o trauma de uma festa na infância à qual nenhum colega da escola compareceu - os doces e salgados se mantiveram intocados na mesa, os balões presos no teto -, estreei precocemente a redução de danos e a gestão de crise na minha vida: sugeri à minha mãe que congelasse a torta para o ano seguinte.

O veneno da rejeição se infiltrou em meu sangue, sem que eu conseguisse preparar antídoto em tempo hábil. Criei um pavor de trocar de idade. Temia esse dia de extrema vulnerabilidade, em que eu poderia ser atingido pelo bullying, em que meu sorriso poderia logo desandar em choro pelo desprezo ou pela indiferença.

Procurava esconder a data, como um segredo que odeia a possibilidade de virar fofoca. Omitia minha certidão de nascimento. Nem conversava sobre horóscopo, para não desembocar na pergunta fatal.

Meu inferno astral não acabava no aniversário, começava nele.

Passei a dizer que não fazia questão de comemorar, a evitar algazarras, a ocupar-me com um expediente regular de trabalho, com uma agenda de atividades cotidianas. Na verdade, esperava que a meia-noite chegasse para normalizar o batimento cardíaco.

Dispensava visitas, espantava surpresas, corria das brigadas cantantes de garçons em restaurantes. Não desejava sair de casa, e também não me apetecia ficar trancafiado nela, encurralado e passivo aos arrebatamentos familiares.

Desafinava o coro das alegrias fundamentais. Entendia o aniversário como um réveillon particular. E me sentia um cachorro fugindo dos fogos de artifício. Meus ouvidos doíam enquanto as demais pessoas celebravam.

Fingia pouco caso. Eu não me amava e cobrava que os outros me amassem no meu lugar. A carência é pedir emprestado o que você já tem. Não conheço carência que não seja agressiva: você exige de alguém o que acha que nunca recebeu antes. É uma dívida acumulada impossível de pagar pelos juros abusivos, já que busca uma redenção despropositada e fora de contexto. Não bastava um aniversário bom: precisava representar uma apoteose capaz de compensar, com um único e cegante clarão, as velas que não foram sopradas. Nada satisfaria as especulações irreais.

A terapia ajudou-me a admitir que não há como controlar as opiniões alheias. A unanimidade é inviável. Ninguém é obrigado a ir com a sua cara. Você descobrirá uma saudável alternância: momentos inspirados e menos inspirados, sorte e azar, casualidades, mas jamais algo que dê para classificar de maldição.

Hoje eu me envaideço de existir. Aviso a todos que estou de aniversário. Espalho a notícia. Que cada um reaja do jeito que quiser, com a intensidade que quiser. Só o afeto me afeta. Não é porque aguardo o melhor que não saberei lidar com o pior. Finalmente encontrei a reciprocidade comigo mesmo.

Feliz aniversário, Fabrício! = CARPINEJAR 

O reencontro com o próprio aniversário

Durante muito tempo, temi o calendário. Temia aquele dia que me expunha à lembrança de que o mundo podia seguir indiferente, mesmo quando eu esperava um aceno, um parabéns, um gesto qualquer que confirmasse minha existência. Aprendi cedo que o silêncio dói mais que o esquecimento, e que a mesa cheia não vale sem presença.

Passei, então, a disfarçar a data. Dizia que não me importava, que era só mais um dia. Mas dentro, o coração fazia contagem regressiva - não de esperança, mas de cautela. Era como caminhar por um campo minado de emoções: bastava um esquecimento para tudo explodir.

O tempo, esse mestre paciente, ensinou-me que o aniversário não é sobre ser lembrado - é sobre lembrar-se. Lembrar-se do quanto já se sobreviveu, das versões de si que precisaram morrer para que outras pudessem nascer. Lembrar-se de que o amor próprio é a primeira vela que precisa ser acesa, antes de soprar qualquer outra.

Hoje, celebro diferente. Não espero multidões nem presentes, apenas presença - a minha, inteira, reconciliada. Comemoro o simples fato de estar aqui, ainda curioso, ainda tentando, ainda sentindo. Porque crescer é isso: deixar de querer aplausos e começar a querer verdade. E no fim, o que resta - e o que basta - é isso mesmo: um coração que aprendeu a gostar de existir.

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