
Procurando com o olhar
Eu sei claramente quando o casal está se separando. Os dois não conversam mais com os olhos.
Evitam se olhar. Não é que estão chateados, birrentos por alguma indisposição pontual, por aquilo que se disse ou fez na hora, magoados por uma discussão recente: exibem-se realmente desinteressados um pelo outro em meio ao palco e à plateia do cotidiano, desligados dos objetivos em comum.
Baixam o queixo, dedicam-se aos demais presentes, porém não se caçam mais pela luz das pupilas. Escondem-se nas sombras das formalidades. Não protagonizam as suas emoções.
Existe uma linguagem dos olhos que mantém viva a chama do amor. Você fala com o rosto antes mesmo de qualquer palavra. Preserva o campo de atração, a conexão da curiosidade, o lampejo da admiração. Jamais deixa o parceiro ilhado, desamparado, em apuros.
Os olhos seguram a relação. Quando o casal não se olha, tampouco se abraça, tampouco enlaça as mãos, tampouco estabelece uma proximidade corporal.
Os olhos indicam se você gosta da companhia. Instauram uma dança. O romance é escolher o seu parceiro de destino para emparelhar as pernas e confiar na entrega do movimento.
Não tem como bailar sem alimentar o alcance visual. A pele escreve e lê, ainda que nada esteja sendo dito verbalmente, de modo direto.
Quando os dois preferem mirar para direções opostas, não se anseiam mais, não se desejam mais, não se têm mais como exemplos e referenciais de conduta. Não estão mais alinhados, afinados, sintonizados. Não suportam o silêncio, porque o silêncio passa a ser intragável. O silêncio incomoda, é um estorvo fingido.
Se você não desfruta da espontânea permuta de atenção, o silêncio distancia. O silêncio é um muro. O silêncio é uma parede. A troca de olhares é janela, porta, atravessar a transparência lado a lado.
Num matrimônio feliz, você avisa unicamente pela expressão se quer ir embora de uma festa, se já é cedo ou tarde, se está à vontade curtindo as amizades ou depende de ajuda para escapar das garras de um chato. Trata-se de uma comunicação fulminante, à base de algumas piscadelas.
Parece telepatia, mas é um dialeto construído na intimidade. O GPS do coração, feito de cuidado, proteção e saudade.
São sinais imperceptíveis para a multidão, um código Morse que ambos entendem de primeira.
Não há lugar público em que entrem e se percam. Interagem com o círculo de contatos nunca cessando de se procurar, de conferir por onde anda a sua pessoa predileta e como ela se encontra.
Quando se distraem excessivamente e, por um instante, não se localizam num evento, até bate um estremecimento: onde está o meu amor?
Para-se tudo para espichar o pescoço no ambiente. Vem uma paz ao identificá-lo novamente. Do olhar mútuo, surge o sorriso cúmplice de quem, não importando o que aconteça, chegou junto e partirá junto.
CARPINEJAR
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