
A Angola que eu vi
Estive em Angola por quatro dias. Pousei em Luanda para palestrar no encontro de inovação Move, evento que existe há 10 anos, no Centro de Conferências de Belas, diante de um público apaixonado de 3 mil pessoas.
Desculpe se não mostrei em minhas fotos os bolsões de pobreza, as favelas; as mulheres equilibrando bacias, baldes e caixas na cabeça, sem o uso das mãos; as crianças de pé no chão, correndo atrás de algumas notas de kwanza na região hoteleira; o trânsito intenso e caótico; a profusão de seguranças; a periferia das praias; a gravidez na adolescência, que atinge 37% das jovens entre 15 e 19 anos.
Não vim fazer o turismo das desigualdades sociais, não vim repetir o que se espera da África - a desorganização e o desamparo - para criar o medo, para desestimular laços, visitas e estadas.
O Oceano Atlântico não é grande o suficiente para separar o Brasil de sua mãe África. Somos muito parecidos com Angola. Tivemos o mesmo padrasto. Partimos de igual ventre da escravidão e da colonização portuguesa. Nossa língua foi aprendida doendo.
Eu subi no mirante onde os escravizados eram retirados de suas famílias e mandados para o Brasil. Aquelas paredes não só escutavam, mas gritavam.
Quero contar sobre um país com a independência recente, que completa 50 anos em 11 de novembro, o qual ainda atravessou 27 anos de guerra civil, em quatro períodos de longos combates - de 1975 a 1976, de 1979 a 1991, de 1992 a 1999 e de 1999 a 2002 - com tréguas débeis e vacilantes.
É impressionante como uma nação sangrando até pouco tempo, com perdas e conflitos que aconteciam há duas décadas, vem se reconstruindo com o que chamo de coragem da saudade. O futuro é inteiramente dedicado para recuperar o passado.
Não é uma casualidade que o seu primeiro presidente tenha sido um poeta, Agostinho Neto. São de arrepiar os seus versos:
"Às casas, às nossas lavras
às praias, aos nossos campos
havemos de voltar
Às nossas terras
vermelhas do café
brancas de algodão
verdes dos milharais
havemos de voltar
Às nossas minas de diamantes
ouro, cobre, de petróleo
havemos de voltar
Aos nossos rios, nossos lagos
às montanhas, às florestas
havemos de voltar
À frescura da mulemba
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar
À marimba e ao quissange
ao nosso carnaval
havemos de voltar"
Não observei as ruínas, mas as pontes, a prosperidade de iniciativas empresariais, a criatividade de negócios que dominava as conversas, de uma nova geração que respeita os seus antepassados e não teme as mudanças tecnológicas.
Tanto que o prêmio Camões, a mais alta honraria da literatura lusófona, no valor de 100 mil euros, anunciado neste mês, é de alguém de lá: a escritora e professora Ana Paula Tavares, que se junta a uma plêiade de 36 nomes que já venceram a premiação.
Quero comentar a troca de experiências com intelectuais angolanos, como Dárdano Santos, que pontuava o quanto a semente germina no escuro: germinar é florescer por dentro da terra, e todos têm um lugar secreto, uma grandeza oculta, que irá, na hora certa, agarrar-se à luz e emergir para a clareza das ideias.
No seu entendimento, aguardar é se preparar melhor, é um sujeito estudando a si próprio, prestes a surpreender o mundo na forma de liderança.
Um dia em que não se falou nada é um dia a mais de escrita em silêncio e autoconhecimento.
Dárdano levava consigo a bengala de sua avó Lisete, e me confidenciava: "Sou o legado dessa mulher, a explosão de suas raízes, a extensão das mensagens de seus paninhos de prato".
Eu concordava, emocionado. Essa Angola protagonista é a que me importa, me interessa e me fascina. _
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