quinta-feira, 30 de outubro de 2025


30 de Outubro de 2025
CARPINEJAR

Vitória

Você poderia supor que era a Guerra da Ucrânia - drones arremessando bombas, 200 disparos por minuto, centenas de vítimas, 81 pessoas rendidas e presas, barricadas com veículos virados, 120 linhas de coletivo com itinerários afetados, motoristas desesperados andando de ré, universidades com aulas canceladas, serviço público suspenso, cidade parada e esfumaçada -, mas a carnificina fazia parte de uma tarde modorrenta do Rio de Janeiro, resultado de uma megaoperação contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte.

Esta foi a operação mais letal do país. Até o momento, causou 121 mortes oficiais. Já ultrapassou o massacre do Carandiru, em São Paulo (111 mortos). De acordo com a Defensoria Pública, o número vai extrapolar 130 óbitos.

Aliás, as dezenas de corpos expostos na rua, enfileirados, cobrindo uma quadra inteira, constituem uma imagem gêmea da fotografia impactante e icônica da pilha de cadáveres no pátio do antigo presídio paulista.

Chamada "Contenção", trata-se de uma iniciativa permanente do governo estadual de combate ao avanço do CV por territórios fluminenses.

Na terça-feira, 2,5 mil agentes das forças de segurança saíram para cumprir quase cem mandados de prisão. Quatro policiais tombaram na batalha campal - dois civis e dois militares. O tráfico revidou interditando a Linha Amarela e a Vermelha.

A novela da subida aos morros é cíclica. Há 15 anos, ocorreu uma grande repercussão da reocupação do Complexo do Alemão, com a cena clássica dos traficantes debandando em massa, abandonando seus domínios, fugindo por esgotos. O saldo do conflito urbano consistiu em 39 suspeitos abatidos e na perda de dois policiais - nem a metade do confronto desta semana.

Parecia um triunfo estatal sobre o crime organizado. Implantaram-se as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos locais reconquistados, com a promessa de um monitoramento de proximidade - sem tiroteios, com menos armamento e maior contato com os moradores. A pacificação não resistiu nem por uma década.

Na época, o então secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, afirmou que destruía a "invencibilidade" da facção. Numa demonstração ufanista, uma bandeira do Brasil foi hasteada ao alto do teleférico.

Cantou-se a vitória excessivamente cedo. Uma ação de fora para dentro das comunidades não surtiria efeito duradouro - não suplantaria a influência dos representantes nativos. Um filme deste ano que, infelizmente, deixou as salas de cinema de forma discreta, Vitória, de Andrucha Waddington e Breno Silveira, interpretado pela nonagenária Fernanda Montenegro, descortina a insalubridade social na Cidade Maravilhosa.

O longa retrata Nina, uma aposentada. Cansada de ser alvo de balas perdidas em seu apartamento, percebendo que nenhuma autoridade tomava providências para desarmar a quadrilha no pé da favela, ela decide filmar a rotina de queima de arquivos. Conhece a burocracia das mentiras, enfrenta o boicote dos vizinhos que não desejam desafiar a lei do mais forte e, por fim, descobre tramas além do que imaginava, com a presença de infiltrados por todas as áreas.

Qualquer produção sobre o Rio dispensa o receio de spoilers. Já sabemos o que vai acontecer. Evidentemente, o drama se baseia numa história real, contada no livro Dona Vitória da Paz, sobre uma senhora de 80 anos que denunciou um esquema na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana.

A fantasia jamais supera a realidade. Há muito tempo, vive-se uma guerra civil. Só mudam o nome e os personagens. 

CARPINEJAR

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