
Caso do Rio deve ser um ponto de inflexão
Não há como deixar de ficar espantado com as cenas de guerra na cidade do Rio de Janeiro, na terça-feira, durante a operação das forças de segurança fluminenses que se tornou a mais letal da história do país. A ação com 2,5 mil agentes policiais militares e civis, para cumprir cem mandados de prisão e 150 de busca e apreensão contra o Comando Vermelho, terminou com ao menos 121 mortos. Quatro policiais tombaram na reação dos traficantes dos complexos da Penha e do Alemão.
Ofensivas pela força ocorrem há décadas nas favelas do Rio e não debelam a criminalidade e o tráfico. Facções como o Comando Vermelho, mesmo com a prisão de lideranças, mostram-se capazes de resistir às incursões armadas e de se reorganizar. Mais do que sobreviver, expandem a atuação para outros territórios, com conexões inclusive no Exterior, e se fortalecem com novos negócios ilícitos e infiltração em instituições. Nos morros, os soldados do tráfico mortos são rapidamente substituídos por outros jovens que vivem em meio à pobreza, à desesperança e à ausência do Estado. Operações como a de terça matam e prendem criminosos, mas também, como efeito colateral, vitimam inocentes e fazem com que policiais não voltem para as suas famílias.
No Rio, o mal não será arrancado pela raiz sem um plano estruturado e de longo prazo que aborde as mais diferentes faces do problema. Não basta o Estado ocupar ocasionalmente uma comunidade com polícia e, pouco depois, abandoná-la. São necessárias políticas permanentes que ofereçam cidadania, serviços sociais, oportunidades de renda e segurança.
O Rio chegou perto com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criadas em 2008. Além do policiamento comunitário, prometiam atendimento nas demais áreas de atuação do Estado. Diminuíram a violência onde foram instaladas, mas no início da década seguinte colapsaram com denúncias de corrupção, abusos de poder e conflitos entre policiais e traficantes. Os velhos vícios que tornaram a segurança pública do Rio falida falaram mais alto. Ainda assim, são um modelo que pode ser revisitado, com olhar especial para prevenir os aspectos que a levaram a fracassar.
O caso do Rio também volta a escancarar que se tornou inadiável uma participação maior da União em apoio aos Estados. A PEC da Segurança, em tramitação no Congresso, merece debate mais sério. A proposta prevê maior integração entre órgãos federais e estaduais e uma coordenação nacional no combate às organizações criminosas. Se existem impasses sobre pontos do texto, que sejam discutidos e aperfeiçoados.
O certo é que, com o fortalecimento e a sofisticação das grandes facções, que se imiscuem nas instituições e avançam sobre a economia formal, o enfrentamento efetivo depende de mais uso da inteligência policial, da colaboração de órgãos que rastreiam movimentações financeiras e da associação federativa. Politizar o tema, minando a cooperação, apenas fará com que os conglomerados do crime continuem poderosamente armados e a se expandir, enquanto a população permanecerá sob o fogo cruzado. O episódio estarrecedor desta terça-feira, portanto, deve servir como um ponto de inflexão. Ontem, Estado e governo federal anunciaram um Escritório Emergencial de Enfrentamento ao Crime Organizado. A conferir os desdobramentos práticos. _
Nenhum comentário:
Postar um comentário