
30 de Outubro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes
Mais um golpe na imagem do Brasil
Quando o coronel Nascimento, personagem de Tropa de Elite 2, comanda do alto de um helicóptero a ocupação de uma favela carioca, o Brasil vive o auge do discurso da "paciicação". O Rio precisava se tornar uma cidade vitrine - segura, limpa, vendável. Às vésperas dos Jogos Pan-Americanos e, depois, das Olimpíadas, a imagem internacional valia mais do que o debate interno sobre desigualdade. Mais de uma década depois, o país se prepara para receber a COP30, a conferência global do clima. O palco agora é Belém, mas o roteiro é semelhante: o Brasil quer provar ao mundo que é potência ambiental e moral, líder na transição verde e na justiça climática.
No entanto, como no filme, a lente internacional revela contradições: enquanto se promete salvar florestas, o país ainda não aprendeu a salvar seus cidadãos da violência estatal e das operações que transformam comunidades em zonas de guerra.
A fotografia da COP30 que o Brasil deseja mostrar é de um país que lidera a justiça climática, que articula soluções para o futuro. Mas essa imagem omite o passado e o presente da violência. É incompleta e incoerente. A verdadeira imagem da nação, no palco global, depende de como ela trata internamente as desigualdades sociais.
O massacre da Penha na segunda-feira, no Rio de Janeiro, é um alerta brutal de que a "terra do futuro" convive com um "passado mal resolvido".
A imagem de corpos perfilados na Penha não é apenas icônica do 28 de outubro de 2025. Traz na memória outros morticínios históricos no país. O Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, principal cartão postal do Brasil, carrega o ônus e o bônus dessa alcunha: é a cidade brasileira mais conhecida no planeta, mas, ao mesmo tempo, palco simbólico de um Estado que mata. Vigário Geral (1993), 21 mortos; Candelária (1993), oito mortos; Jacarezinho (2021), 28 mortos. Mas não só no Rio de Janeiro. Teve também o Carandiru (São Paulo, 1992), 111 mortos. Eldorado do Carajás (Pará, 1996), 19 mortos.
Um relatório da Human Rights Watch já apontava que mais de 8 mil pessoas foram mortas pela polícia no Estado do Rio de Janeiro em uma década - e que a maioria era composta por jovens negros em favelas. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registra mais de 6 mil mortes por intervenção policial por ano, quase sempre de homens jovens, negros e pobres.
Quando chefes de Estado, delegados e ativistas ambientais desembarcarem no Brasil, a partir da semana que vem, para a COP30, em Belém, encontrarão uma nação bem diferente do verde das fotografias institucionais. A dureza das cenas da Penha dá concretude aos relatórios de direitos humanos de um Estado que atua com violência massiva e seletiva. _
A história da infâmia
As imagens icônicas dos corpos perfilados na Penha remetem a outros morticínios na área da segurança pública brasileira. Em 1992, a invasão do Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) para conter rebelião deixou 111 mortos. Imagens marcantes: Corpos perfilados no chão do pavilhão e fotos aéreas do presídio com sangue e lençóis brancos entraram para a história da infâmia brasileira.
Um ano depois, um grupo de extermínio formado por policias militares protagonizaram a chacina de Vigário Geral, no Rio de Janeiro. Vinte e uma pessoas morreram. Foi um ato de retaliação após morte de quatro PMs. Caixões perfilados em ginásio e fotos aéreas do enterro coletivo viraram símbolos do luto comunitário. Foi o ápice do terror policial nos anos 1990. _
"Estamos horrorizados", afirma ONU em nota
com Vitor Netto
vitor.netto@rdgaucha.com.br
O Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas publicou ontem uma nota condenando a operação policial que deixou pelo menos 130 mortos no Rio de Janeiro.
"Estamos horrorizados com a operação policial em andamento nas favelas do Rio de Janeiro, que supostamente já resultou na morte de mais de 60 pessoas, incluindo 4 policiais", diz o texto, contabilizando o total até a noite de segunda-feira. _
O que diz a imprensa internacional
O argentino La Nación destaca a operação na capa, com a manchete e atualização constante do número de mortos. "Moradores do Rio de Janeiro levam corpos para uma praça para identificar-los depois de operação contra o Comando Vermelho".
O El País, em sua versão para a América, destaca o furacão Melissa, mas apresenta a operação no Rio. A manchete é "mais de 50 corpos encontrados no Rio de Janeiro após operação contra o crime organizado".
Nos jornais dos Estados Unidos, o destaque é menor do que nos latino-americanos. O New York Times noticia a operação em espaço secundário na capa de Mundo. A manchete é "Pelo menos 64 mortos no Rio de Janeiro em repressão das autoridades às quadrilhas de traficantes".
Na capital do país, o The Washington Post escreve "Operação policial em favelas do Rio deixa pelo menos 64 mortos".
Os jornais europeus seguem a mesma linha dos americanos, sem dar destaque na capa, mas noticiando a partir do número de mortos. A BBC, do Reino Unido, atualiza feed de notícias ao vivo, com o título "Analisando confrontos extremamente mortais no Rio entre a polícia e uma gangue notória".
Também britânico, o The Guardian ressalta que a operação é a mais mortal do Rio de Janeiro. A manchete é "Brasil: ao menos 64 mortos no dia mais violento do Rio em meio a operações policiais nas favelas".
O francês Le Monde é outro a destacar a operação com mais mortes na história do Rio. "Nas favelas do Rio, a operação policial mais letal da história da cidade", diz a manchete do periódico.
Na Espanha, o El Mundo destaca os cadáveres encontrados e dispostos em uma praça ontem e cita o governo Lula no título. "Rio de Janeiro amanhece com dezenas de cadáveres em uma praça enquanto o governo Lula considera militarizar a cidade", escreve o jornal.
O italiano Corriere Della Sera traz cobertura com vídeos do Rio de Janeiro. O título é "Brasil, megaoperação contra narcotraficantes no Rio: ao menos 60 mortos e mais de 100 presos".
Na Alemanha, a televisão Tagesschau descreve o episódio como uma guerra. "Uma ?guerra? contra os cartéis - bem no coração do Rio", escreve a emissora.
*Colaborou Maria Clara Centeno
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